Por Valério Cruz Brittos, Marcia Turchiello Andrés e Taize Odelli*
A telenovela da Rede Globo Caminho das Índias, escrita por Glória Perez, chama a atenção por apresentar muitos aspectos semelhantes à trama de O Clone, da mesma autora e exibida em 2001. A exaltação de culturas diferentes, o contraste entre civilizações, o conflito entre costumes ocidentais e orientais e, por fim, o drama do amor proibido pelas diferenças sociais e culturais dão o tom de similaridade entre os dois bens simbólicos.
Analogia entre atores, locações, trilha sonora e preocupação com questões sociais é mais uma semelhança entre as narrativas. Em O Clone, Glória Perez apresentava os dramas de uma usuária de drogas, enquanto em Caminho das Índias o foco social está voltado para a violência na escola e os problemas mentais (personagens esquizofrênicos e psicopatas, notadamente). Esse atributo torna-se quase corriqueiro na contemporaneidade, quando o privado, para conquistar visibilidade e credibilidade, assume o papel do Estado no que se refere às questões sociais. Desse modo, as emissoras passam a utilizar-se das ações de marketing e merchandising sociais para se legitimar perante o público, conquistando maiores índices de audiência e, em decorrência, anunciantes.
A novela vai ao extremo, quanto à dialética homogeneização-diferenciação, própria da indústria cultural. De um lado, tal repetição de traços faz com que o público reconheça em Caminho das Índias elementos anteriormente apreciados em O Clone, facilitando o consumo. De outro, a semelhança de experiências pode desestimular telespectadores a acompanharem a nova trama, se considerarem que não obterão algo de específico, comparativamente ao já visto.
Reprises se tornarão mais comuns
O problema, então, é de gradação: Caminho das Índias vai longe demais no sistema de repetição como forma de evitar imprevistos, reduzir custos e garantir lucros, inerente à produção cultural industrializada. Reproduzir um formato que foi sucesso de audiência é o melhor modo de sobrevivência encontrado pelas emissoras, num mercado que se apresenta cada vez mais competitivo, diante da amplitude de agentes e produtos culturais da atualidade, o que assinala a Fase da Multiplicidade da Oferta. Esta estratégia muitas vezes ocasiona um embaralhamento de conteúdos, ao formar uma combinação entre realizações do passado e inéditas.
O aumento da oferta cultural, desde o final do século 20, acentuou a estereotipização dos conteúdos, incrementando a previsibilidade no televisual, na medida em que a semelhança entre formatos e conteúdos passa a ser tão corriqueira que o telespectador prevê com cada vez mais facilidade o que acontecerá nas cenas subsequentes, especialmente no gênero ficção. É o que ocorre na maior parte do tempo nas telenovelas, tanto que a dificuldade de assistir a alguns (ou muitos) de seus capítulos não impede a compreensão de seu desenrolar.
A digitalização televisiva, com a opção que se abre para o desenvolvimento de novos conteúdos diante da multiprogramação – a transmissão simultânea de até quatro programas por canal, hoje proibida para emissoras não detidas pela União –, deverá impactar o mercado audiovisual, quando permitida. Nas emissoras que passarem a operar com esta alternativa, o uso dos remakes, reprises e repetições deverá se tornar ainda mais comum, como forma de preencher as grades. No entanto, a multiprogramação não é de interesse das grandes redes, que alegam inviabilidade de sustentação publicitária do modelo.
Mais do mesmo
Essas características das indústrias culturais acentuam-se neste momento em que a disputa por audiência torna-se mais aguda, da mesma forma que os caminhos da TV digital passam a ser estudados pelas operadoras como possibilidade de conquistarem ou reforçarem posições. Neste quadro, a Rede Globo segue a mais desafiada, tendo que driblar a concorrência na tentativa de manter o público fiel à emissora. O investimento que a Rede Record está fazendo em novos programas vem gerando bons resultados e, apesar de estar longe de alcançar os mesmos níveis de audiência globais, vem causando preocupação ao grupo.
Assim, não obstante o surgimento de novos formatos na programação, o uso de velhas fórmulas, que fizeram sucesso no passado, ainda serve de estratégia em busca pelo sucesso. É o mais do mesmo, perceptível na maioria da programação da televisão brasileira.
*Respectivamente, professor titular no programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos; pesquisadora e mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos; e graduanda em Comunicação Social – Jornalismo na Unisinos.
Fonte: Observatório da Imprensa