Bruno Lima Rocha, 5 de maio de 2009
A vontade desse artigo é expor um ponto de vista e um marco de análise que vai além da mera caracterização da crise cíclica do capitalismo. Nos recusamos a apontar um essencialismo determinista para um fenômeno complexo. Além disso, a base dessa suposta crise do capitalismo financeiro é a intencionalidade. A partir desse ângulo vamos expor um ponto de vista, partindo da análise descritiva, indo além das supostas “leis do pensamento econômico” aceito pelo status quo. O mesmo vale para qualquer pressuposto neoclássico (neoliberal) e seus oponentes oficiais.
Entendemos que uma sociedade também se move num equilíbrio entre a intenção de alguns operadores em postos-chave (como as autoridades econômicas dos EUA) e a inércia estruturante gerada pelos dominantes. Por isso caracterizamos que o capitalismo é um marco civilizatório, um mecanismo de transformação dos aspectos da vida em mercados e um complexo sistema de dominação. Expomos uma parcela de explicação plausível da “tal da crise”, ou seja, da mega estafa em escala global. A base do capitalismo globalizado é sua versão financeira. Não houve queda na taxa de lucros das mercadorias no formato de carteira de títulos financeiros até o capital fictício (financeiro) perder qualquer tipo de lastro. A quebradeira surge do aumento da taxa de juros (desregulados, flutuantes) nos Estados Unidos. Esse aumento é uma decisão de governo que controla o Estado mais poderoso do planeta, e a razão disso é o financiamento da Guerra de Ocupação do Iraque. Com o próprio Tesouro estadunidense sofrendo rombo devido ao financiamento das transnacionais petrolíferas e das prestadoras dos serviços de guerra, aumentar a taxa de juros no final do governo Bush Jr. teve como meta remunerar os compradores de títulos de sua dívida pública. Ao mesmo tempo, esta remuneração atende o crescimento da China, que é a maior credora dos EUA. Ou seja, a “crise cíclica” foi fruto de uma seqüência de decisões políticas, já que o único país rico do planeta que estava com super produção de mercadorias era a própria China, parceira interdependente do Império estadunidense que ameaçava se desintegrar caso Obama não saísse vitorioso nas eleições de 2008.
A farra dos chamados ativos tóxicos foi um jogo de má fé onde todos sabem que os títulos negociados não têm valor e nem lastro, materializa a verdadeira “essência” do capitalismo. Antes, a picaretagem triangulada entre Empresas – Seguradoras – Análise de Risco – Consultoria ganhou forma e lugar no caso Enron, emblemático do início do século XXI. Um dos maiores conglomerados econômicos estadunidenses aplicou mais de 1600 empresas laranjas como sendo parte de sua dívida ativa, portanto, com suposto dinheiro que teria para receber. Ao fabricar falsos balanços, quebrar a empresa e roubar o dinheiro dos acionistas no varejo, a Enron materializa o conceito de que os grandes operadores do capital financeiro são a versão sofisticada da agiotagem em larga escala.
Empresários, executivos, tecnocratas e analistas de plantão sabiam de tudo quando arriscavam as riquezas sob seu controle na roleta russa do cassino da globalização. Aqui, nos EUA, na Europa e em qualquer lugar do mundo. Houve intencionalidade desde o começo. Processo semelhante aconteceu no sudeste asiático na segunda metade dos anos ’90. Começa quando a Tailândia libera a flutuação de sua moeda nacional. A falsa crença, de base fraudulenta, acredita ou finge acreditar publicamente, que existe um suposto equilíbrio e que as leis “científicas” vão designar o valor justo para algo. Pura balela. Os então chamados tigres asiáticos são alvo da ação de mega apostadores, incluindo a falência criminosa do Banco Barings, fruto já de operações financeiras do mercado de derivativos. Como sempre ocorre, um operador pagou de bode expiatório, sendo acusado de sozinho quebrar a Malásia.
A “tal da crise” atual é puro comportamento fraudulento acelerado pela velocidade das novas tecnologias e da perda do lastro do capital fictício (financeiro).
O Sistema Swift de compensação bancária via satélite
Na origem da picaretagem dos derivativos atuais está o conjunto do sistema financeiro e bancário mundial. Chama-se Swift (Society for World Wide Inter Bank Financial Telecommunicaton – Sociedade para a Telecomunicação Global Interbancária e Financeira). O mecanismo central vem de 1973, quando as 10 maiores instituições financeiras do mundo criaram, em plena escassez do petróleo (1973), uma forma global de compensação bancária automática e mundial. Para garantir o bom funcionamento, este sistema opera um satélite e não sofre regulação de governo algum no ato da transação. Contempla 99,9% das operações bancárias do mundo, agindo como prestador de serviços. A velocidade adquirida com as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) acelerou de tal forma as transações financeiras que no auge dos derivativos, chegaram a negociar um ativo tóxico a cada 4 segundos. O tamanho do rombo se fez notar no final de 2007 e estourou de vez no fim de festa do governo de Bush Jr.
Mas, antes da bolha imobiliária dos EUA ser estourada pelo aumento dos juros em função dos custos da Guerra de Ocupação no Iraque, por mais de vinte e cinco anos, o Sistema Swift acelerou as transações bancárias, sendo o portador e transmissor do dinheiro eletrônico do mundo. Todos os capitais em formato de depósito bancário, com o Swift, ganharam a capacidade de circular livremente pelo mundo. Neste bolo de dinheiro digitalizado, incluem-se as contas secretas de serviços de inteligência, os tesouros da corrupção nos países subdesenvolvidos e todos os volumes existentes nos chamados paraísos fiscais. Estas ilhas de ilegalidade capitalista assumida servem como esgoto cloacal, onde um dinheiro com origem suja pelas regras do próprio sistema começa a circular de forma legalmente aceita, através da primeira infovia globalizada.
Uma vitória pontual: fechar os paraísos fiscais e freiar a engrenagem do Swift
Para acabar com a farra da jogatina especulativa, bastava com fechar os paraísos fiscais e proibir a circulação através do Swift. Isso seria a morte do jogo dentro das próprias regras do capitalismo globalizado. Como nenhum sistema de suicida nem se autodestrói, isso somente vai acontecer quando os povos em luta forçarem os governos de turno a mudar a correlação de forças, diminuindo a lucratividade do capital fictício, que é o capital financeiro.
O original desse artigo em português circulou no jornal Socialismo Libertário o. 21 e a versão em castelhano na edição do jornal Rojo y Negro, da Confederación General del Trabajo (de España)