Por Patrícia Maurício*
E agora?
A partir das entrevistas feitas para este artigo e do acompanhamento que venho fazendo do mercado televisivo me parece claro que a maioria das pessoas que trabalham, inclusive em cargos de chefia ou como empresários, na produção de programas ou do jornalismo de televisão não estão preocupadas com interatividade na TV digital, pelo menos até agora. Na verdade, sequer pensam nisso. Aqueles poucos que pensam sobre o tema, de forma geral vêem a questão mais como um problema do que como oportunidade – uma possibilidade tecnológica a mais em benefício do telespectador mas que não se traduz em aumento de receita, pelo menos no que diz respeito a uma interatividade no jornalismo e nos programas – e por isso deve ser adiada o máximo possível, em meio a testes e declarações de apoio em público. A interatividade para a venda de produtos já é vista com melhores olhos, como parece mostrar a palestra do vice-presidente da Rede Bandeirantes pensando em vender mais pizzas que os concorrentes. Porém, com a demora na homologação do Ginga, a possibilidade de usar interatividade empaca.
Não faltam modelos para interatividade na TV aberta ou pesquisadores universitários dispostos a criá-los. A grande questão é o interesse do mercado em produzir programas interativos, que exigem roteiros e produção mais cara. Como já comentado acima, um dos entrevistados que não quiseram se identificar, que vem acompanhando de perto as negociações da TV digital, afirma que a TV Globo (leia-se Ministério das Comunicações?) faz pose de que quer a interatividade mas, ao mesmo tempo, bloqueia a novidade. Enquanto isso, as empresas de software que fabricariam o Ginga e suas aplicações estão morrendo. Elas (e os telespectadores) não têm sequer uma data distante, mas definida pelo governo, para garantir a implantação do middleware brasileiro. E o governo apenas vai deixando para depois, ao que parece, indefinidamente. Ou espera para ver, como disse o assessor para Assuntos Internacionais do Ministério das Comunicações.
Enquanto isso, a internet vai ganhando terreno – o que definitivamente é uma coisa boa, desde que não sirva, paradoxalmente, para ser mais um instrumento de exclusão. A interatividade com programas de televisão usando internet já é realidade há bastante tempo e só vem aumentando. Como o governo não se movimenta para homologar, regulamentar e incentivar a interatividade na TV, pode logo se tornar realidade o prognóstico do dono da produtora KN de que ela vai ser via web, com tudo convergindo para o computador. Se esta tecnologia for rapidamente democratizada, tudo resolvido. Caso contrário, o que é o mais provável, quem não tiver dinheiro para ter acesso a esta tecnologia vai ficar apenas com uma televisão em que as únicas novidades são som e imagem de melhor qualidade e, eventualmente, uma emissora pública com multiprogramação – além de alguns poucos exemplos de interatividade que podem demorar a chegar e atenderão a um público pequeno. Toda uma tecnologia desenvolvida para que os telespectadores como um todo possam interagir com os emissores, feita para a TV aberta que hoje é o meio de comunicação acessível a praticamente todos os brasileiros, será desperdiçada. Em vez de democratizar as comunicações, estaremos novamente atendendo apenas a quem tem mais dinheiro e, com isso, fazendo bons negócios – o interesse público fica em segundo lugar. Alguma novidade nisso?
*Patrícia Maurício é professora agregada do curso de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutoranda em Comunicação e Cultura na UFRJ, com o projeto "TV Digital: conflitos antigos no nascimento de uma nova mídia no Brasil". E-mail: patriciamauricio@uol.com.br