terça-feira, 28 de abril de 2009

Teremos programação interativa na TV digital aberta? (Parte IV)

Por Patrícia Maurício*

O que pensam produtoras independentes de vídeo

Uma das principais produtoras de vídeo do Brasil, a KN Vídeo já tem programas para celular e internet, além dos tradicionais programas de TV e até quadros no jornalismo esportivo da TV Globo. Sempre na vanguarda da convergência de mídias e do uso de novas tecnologias, era de se esperar que a KN fosse uma das primeiras produtoras, senão a primeira, a produzir para a TV digital interativa. Mas Jorge Nassaralla, dono da empresa, está bastante cético.

Para Nassaralla, a TV digital está muito devagar e ainda vai demorar bastante para termos interatividade nela, porque, segundo ele, a interatividade é a última coisa neste processo. “O primeiro passo é transformar tudo em HD. Isso estava começando a acontecer, até vir a crise econômica mundial”, contou. Ele explicou que não é possível gravar com equipamentos que usam mini DV (fita digital) e ir ao ar como HD (high definition, alta definição). No chamado full HD, que é a TV digital de verdade, a imagem é formada por 1080 linhas por 1920. Segundo Nassaralla, o custo do HD é 50% maior que o atual, “e os patrocinadores não estão querendo bancar estes custos”.

Para transmitir em full HD é preciso trocar câmeras, equipamentos de mídia e os sortwares das ilhas de edição. “Fui ver agora uma câmera e custa R$ 96 mil. Até desisti, tem que esperar, porque encarece muito e só o custo sobe, a receita não sobe”, contou o dono da KN. Segundo ele, atualmente a TV Globo e a Globosat são os principais compradores das produções.

Com este quadro, somado ao fato de que tem percebido crianças e adolescentes até 17 anos migrando em massa da televisão para o computador, Nassaralla não tem dúvidas: “Minha aposta é na internet, que vai atropelar; vejo problemas para a TV a cabo e para a TV aberta, que vai ser para a classe C”. Ele cita o seu próprio exemplo: tem em casa a internet conectada à sua TV de 42”. O diretor assiste nesta tela, com qualidade excepcional, a jogos de futebol americano, basquete e beisebol transmitidos ao vivo em full HD via internet, pelos quais ele paga US$ 20 por mês. Do sofá ele pode clicar um botão e ver todos os dados de passes certos e errados, mandar e-mail e, mais tarde, rever o que quiser dos jogos, que ficam armazenados. “É só ter uma velocidade acima de 8 M de banda larga, eu tenho 12”, explica.

E vale lembrar que nem tudo é pago na internet, muito pelo contrário. E os programas na rede já conseguem muito mais patrocínio que no passado recente. A TV da KN na internet, por exemplo, tem patrocínio de grandes empresas. Nassaralla acredita que a TV aberta no celular, ao contrário da via internet, vai ser apenas um nicho, assistida na sala de espera do médico e no trânsito, ou uma mania que vai passar. Ele afirma que para fazer uma boa TV no celular é preciso fazer programas específicos para o meio. Além de levar em conta a tela pequena, usando muitos closes, o tempo da cena tem que ser mais rápido, as falas dos atores mais curtas, porque cada episódio deve durar um ou dois minutos.

Com todas estas mudanças e pouco espaço para certezas absolutas, Nassaralla comenta o que tem observado: “O ibope das novelas da Globo vem caindo direto, e eles viram que não está indo para a Record, está indo para outro lugar. As TVs grandes não sabem o que fazer”.

A palestra do Keith Clarkson, produtor-executivo da Xenophile Media, do Canadá, no congresso da IETV em agosto de 2008 reforça a aposta da KN Vídeo (e, no contexto internacional, da BBC) na internet. Clarkson mostrou que seus programas, com sucesso estrondoso junto ao público infantil canadense, usam da interatividade não via TV, mas a criança indo depois ao computador. Ao responder a uma pergunta da platéia sobre como desenvolver bons programas aqui com interatividade, ele disse que “é importante o governo ajudar. No Canadá, o governo há dez anos começou a empurrar para isso. Houve ênfase na criação de produtos. É difícil fazer isso sem incentivos do governo. Sua indústria tem que fazer lobby junto ao governo”.

Nuno Godolphim, produtor executivo da Pindorama Filmes (que faz, entre outros, os programas apresentados por Regina Casé), afirma que não há nada ainda de concreto sendo pensado na produtora em relação à TV digital interativa. “Agora não está dando para fazer nada, agora é ‘me manda aí o seu videozinho e a gente bota no programa’”, afirma. Nuno diz acreditar que a interatividade vai vingar, mas se vai ser pela própria televisão ou via internet, ele acha que é futurologia. “Isso só vai ficar mais maduro quando tiver uma TV digital madura, daqui a uns cinco anos. Por enquanto as pessoas estão tateando nessas tecnologias”, avalia.

A FBL Criação e Produção, produtora fundada pelo falecido jornalista Fernando Barbosa Lima especializada em documentários para TV e DVDs e que está criando agora um programa novo do Ziraldo para a TV Brasil, também não tem planos no momento para a TV digital. O diretor de projetos da FBL, Dermeval Netto, afirma que muito pouca gente que cria para a TV tem o domínio desse novo sistema, que, segundo ele, é divulgado por especialistas em engenharia de telecom, com versões muitas vezes truncadas, confusas e incompreensíveis. Ele também não conhecia as linhas de crédito do BNDES para produção de conteúdo.

"Há um domínio muito precário das informações sobre interatividade na TV digital, principalmente pelo pessoal das produtoras independentes. Acredito que é no jornalismo que a interatividade vai acontecer mais rapidamente, porque é ao vivo e é feito pelos profissionais que estão dentro das emissoras, e que têm o acesso às tecnologias já disponíveis na emissora e no sistema em geral. Quem está fora hoje das emissoras não tem noção ainda de até que ponto as emissoras estão avançando nisso. A maioria dos canais de TV está caminhando para produzir grande parte de seus programas fora, menos o jornalismo, que é papel editorial de cada emissora. E os programas das produtoras independentes são gravados" – comentou ele.

Para Dermeval, não sendo ao vivo o programa, não há interatividade. “Isso vai depender do conceito de interatividade mas, para mim, interatividade é o público poder participar da decisão do que está sendo transmitido”, opinou. Ele lembrou que esta interatividade já existia no programa “Você Decide”, da TV Globo, no qual os espectadores votavam num de dois finais pré-gravados para decidir como a história terminaria e, nos intervalos, um apresentador ia mostrando ao vivo o resultado da votação; e também no “Intercine”, da mesma emissora, em que se votava no filme que passaria no fim de semana entre as opções apresentadas, também por telefone.

O diretor de televisão conta que fez interatividade no final dos anos 80 e início dos 90, levando para a TV os curtas dos festivais de cinema. As pessoas votavam por telefone nos filmes e o vencedor ganhava o prêmio do júri popular.

"Mas esta interatividade por telefone é manipulável. Uma vez um filme gaúcho estava ganhando dos favoritos, e ficamos surpresos acompanhando a votação por região e vendo que o Rio Grande do Sul estava votando em massa naquele filme. O técnico da empresa que contratamos para disponibilizar as linhas telefônicas achou que não estávamos gostando do resultado, me chamou e perguntou se queria que fechasse as linhas do Rio Grande do Sul. Desse jeito o telespectador gaúcho passaria a encontrar as linhas ocupadas, e os votos do estado parariam de entrar, mudando o resultado. Não fizemos isso, mas vi que o processo, e o resultado, são manipuláveis", contou.

Em outra experiência, lembra Dermeval, Fernando Barbosa Lima inovou em 1995 ao criar para a Band o programa da Sílvia Popovic, em que um monitor e uma câmera eram colocados ao vivo em praças públicas do Rio e de São Paulo e as pessoas entravam ao vivo fazendo perguntas para o programa e participando dos debates no estúdio. “Agora, esperamos outras formas de participação na TV digital interativa, criando a possibilidade de entrada do público de casa; e acho que esta interatividade vai incluir a web, com o telespectador mandando vídeo, por exemplo. E essa interatividade via internet já está bastante desenvolvida em muitos programas da TV, especialmente no esporte, além dos chats pós-programas", acrescenta.

Outro produtor independente que não quis se identificar comentou sobre a linha de financiamento do BNDES para conteúdo opinando que elas só fazem sentido se for para financiar um programa piloto que depois será oferecido ao mercado e, com o dinheiro da venda do programa, se paga o financiamento. “O custo de um piloto varia muito, depende do tipo de produção. O GNT, TV Brasil e Multishow compram séries por R$ 30 mil por programa. Mais do que isso, nem pensar. Com isso se faz programas mais despojados. Programas com elenco, cenário, custariam uns R$ 60 mil por programa; aí você tem que ter patrocinadores ou a emissora ter dinheiro dentro dos projetos dela para comprar”, afirmou o produtor. Ou seja, o limite mínimo de empréstimo teria que ser bem mais baixo.

Quanto à previsão de Dermeval Netto de que o jornalismo será o primeiro a usar interatividade, esta idéia não é endossada pelo âncora do Jornal da Band, da Rede Bandeirantes de Televisão, Ricardo Boechat. Ressalvando que não tem familiaridade com o tema, ele diz acreditar que a interatividade vai funcionar mais “no mundo do consumo, da programação, do arquivo”. Segundo o jornalista, se o telespectador quiser interagir enviando uma informação, por exemplo, esta informação primeiro precisa ser checada pela redação, como qualquer outra (e como já é feito há muito tempo no caso de algum telespectador entrar em contato com a emissora), então não será possível o telespectador simplesmente enviar uma mensagem que entre no noticiário diretamente.

Boechat tem uma série de perguntas que, para ele, resumem a dificuldade de ter um jornalismo realmente interativo na TV. “Qual o modelo, a paginação do telejornal que você vai botar no ar para ter a interatividade? Hoje a paginação vale como unilateral. No rádio a gente faz isso via e-mail, mas na TV, para o modelo que fazemos de telejornalismo, não consigo enxergar um futuro promissor para isso. Você está no ar, o telespectador entra, como você se acautela de o telespectador colocar ali uma barbaridade?”, questiona ele. Já para programas não jornalísticos, Boechat acha que isso pode funcionar. Perguntado sobre a possibilidade de o telespectador acessar mais informações na tela sobre uma reportagem que acabou de ir ao ar, deixando para assistir ao restante do noticiário depois (que ficaria gravado), o jornalista não pareceu muito animado. Ele citou como interessante a possibilidade de telespectadores colocarem à disposição da emissora imagens capturadas por celular. Vale lembrar, porém, que isso já pode ser feito via internet – uma vez que a imagem sempre precisa passar pelo crivo da redação antes de ir ao ar.

*Patrícia Maurício é professora agregada do curso de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutoranda em Comunicação e Cultura na UFRJ, com o projeto "TV Digital: conflitos antigos no nascimento de uma nova mídia no Brasil". E-mail: patriciamauricio@uol.com.br.