Hoje (10/02/2009) os leitores do Jornal O Globo foram surpreendidos com uma notícia de primeira página sobre rádios comunitárias. Ops, corrigindo: as (pseudo)jornalistas dO Globo não sabem o que isso significa: só conseguem repetir em coro uníssono o velho bordão: “rádios piratas”. Em nenhum momento da chamada na primeira capa e da matéria interna (praticamente de página inteira) há a menção da expressão “rádios comunitárias”.
Mesmo no final, bem no finalzinho, quando as (pseudo)jornalistas Ana Cláudia Costa e Carla Rocha mencionam o projeto de lei que prevê a descriminalização das rádios comunitárias, o texto insiste em “rádios piratas”, um termo cunhado para deslegitimar o trabalho de milhares de brasileiros e brasileiras que lutam pela democratização da comunicação em todo o Brasil. As (pseudo)jornalistas parecem desconhecer (ou terem sido orientadas para tal) que o Estado Brasileiro reconhece legalmente o trabalho das rádios comunitárias, através da lei 9.621/98. Talvez as (pseudo)jornalistas não devem ter aprendido uma lição básica do jornalismo (ou foram orientadas a não fazê-lo): consultar fontes. Uma olhadinha rápida no site do Ministério das Comunicações (o endereço é http://www.mc.gov.br/, no Google é fácil achar, viu?) revelaria que o Estado desconhece o termo “rádio pirata” que a matéria insiste em usar.
As rádios comunitárias, reconhece institucionalmente o Ministério, “é um tipo especial de emissora de rádio FM (...) criada para proporcionar informação, cultura, entretenimento e lazer a pequenas comunidades.” Bem, as (pseudo)jornalistas só conseguem enxergar ilegalidade quando o assunto é rádios comunitárias.
A matéria toda é um show de jornalismo tendencioso e, o pior, mal feito. Porque há muito tempo já foi desmistificada a idéia de imparcialidade no jornalismo: todo discurso exige tomada de posição e com o jornalismo não é diferente. As grandes corporações de mídia (com as organizações Globo no carro de frente) sempre atacaram descaradamente as rádios comunitárias e não esperaríamos algo diferente agora. Mas se as (pseudo)jornalistas tinham que fazer o trabalho sujo (afinal, trabalhar na Globo exige que o jornalista coloque sua ética na gaveta antes de ir para o escritório), pelo menos poderiam ter feito com mais cuidado. É que assim é feio demais...
A matéria fala do fechamento de “cinco rádios clandestinas” na Cidade de Deus.. Detalhe: cinqüenta PMs do Batalhão de Operações Especiais (isso mesmo!) foram escalados para a operação. As fotos revelam a real necessidade para tudo isso: homens fortemente armados ao redor de umas casinhas simples, sem qualquer indício de resistência por parte dos “criminosos” comunicadores populares. Bem, a justificativa é que uma rádio “estaria interferindo na comunicação do Aeroporto de Jacarepaguá”. As (pseudo)jornalistas não devem saber disso (ou foram orientadas para não sabê-lo), mas o movimento de rádios comunitárias já emitiu diversos pareceres provando a improbabilidade de que rádios de baixa potência (25 watts) interfiram na comunicação pública. A própria assessora técnica da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Maria Gabriela, em entrevista para o RadioTube (http://www.radiotube.org.br/icox.php?mdl=nucleo_duro&op=comentar&id=1293&usuario=23&from=audio) admitiu isso.
No meio da matéria há dois parágrafos aparentemente deslocados: não têm absolutamente nada a ver com a matéria. O capitão Ivan Blaz fala de umas apreensões “sempre com a ajuda de moradores, que estão indignados com a ação do tráfico na comunidade”. Ué? Mas não era uma matéria sobre rádios comunit...ops, digo, piratas?!? O que essa informação está fazendo aí? É que entra um truque discursivo que as (pseudo)jornalistas souberam usar muito bem: mensagens implícitas. A operação do Bope (eles que são pagos com dinheiro público para realizar operações de grande complexidade) para o fechamento de rádios comunitárias não tinha nada a ver com tráfico de drogas, mas, bem... Estamos falando sobre comunidades, né? Por que não encaixar mais uma informação para sujar a imagem das rádios comunitárias? Jornalismo de mentira serve pra isso mesmo...
Outra regrinha simples, daquelas que a gente aprende no primeiro período da faculdade de jornalismo: ouvir todas as partes. As (pseudo)jornalistas só conhecem representantes da Abert (a associação que trabalha a serviço das empresas de comunicação do Brasil), só eles estão autorizados a falar sobre radiodifusão em nosso país. Não procuraram saber de uma associação que pudesse falar pelas rádios comunitárias. Uma olhadinha rápida no Google já indicaria que são muitas: ABRAÇO (Associação Brasileira de Rádios Comunitárias), AMARC (Associação Mundial de Rádios Comunitárias), FARC (Federação das Associações de Rádios Comunitárias do Rio de Janeiro) etc. Será que é porque elas colocaram “rádio pirata” como critério de busca? E quanto aos comunicadores que foram presos? Esses não merecem ser ouvidos. Nem uma palavra para eles.
Compreensível, né? Afinal, não se deve esperar muito de (pseudo)jornalistas, não é mesmo?
João Paulo Malerba, jornalista da ONG Criar Brasil (www.criarbrasil.org.br)
João Paulo Malerba, jornalista da ONG Criar Brasil (www.criarbrasil.org.br)