quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

A Venezuela e o limite da democracia representativa


Inicio o artigo aclarando que o escrevo daqui de Caracas onde me encontro a trabalho e sem convite nem despesas pagas por governo algum. Inicio assim o primeiro de dois textos sobre a conjuntura política Venezuelana. No primeiro, trato da situação anterior ao referendum do próximo dia 15 de fevereiro. No segundo, abordo a esquerda do movimento bolivariano e as posições para além do oficialismo.

No momento o país está em plena campanha plebiscitária, a favor ou contra do projeto de Emenda Constitucional dos artigos 160, 162, 174, 192 e 230 (leia o texto completo em castelhano). A essência da proposta é simples. Se aprovada, o conjunto dos cargos de representação e mandatários políticos venezuelanos poderão se apresentar para reeleição o número de vezes que queiram. Assim, tanto legisladores (municipais, estaduais e nacionais) como prefeitos, governadores e o presidente poderão tentar ganhar no voto a permanência no cargo sem nenhuma barreira.

Exposta a questão, os argumentos que vi e ouvi são evasivos. A oposição política venezuelana, encabeçando o bloco do NÃO afirma que a vitória da Emenda implicará a reeleição indefinida de Hugo Chávez. Isto não é verdade, porque apresentar-se para a eleição não garante vitória antecipada. Já a aliança do SIM define a escolha pela permanência no poder um tema de soberania popular. Também dá para discordar, uma vez que a população sempre escolhe em cima das opções oferecidas. Vejo os dois argumentos como evasivos porque o tema de fundo é outro.

A democracia representativa na Venezuela (chamada de 4ª República) surge com o Pacto de Punto Fijo, assinado em 1958 após a derrota da ditadura de Pérez Jiménez. Neste acórdão, três grandes partidos, AD, Copei e URD concordam com a alternância no poder do Estado e compartilham a mesma visão sócio-econômica. A distribuição de renda é péssima, o país não planta o que consome e as cidades crescem na base da favelização. Para piorar, fora do sistema político partidário, o protesto social era criminalizado e havia repressão de sobra. O fato é que a partir da eleição de Chávez em 1998, tudo isso muda. Para não expor aqui dados sem fim, basta dizer que: em dez anos o analfabetismo foi erradicado; o número de estudantes de todas as séries saltou de menos de 3 milhões para 11 milhões; se multiplicou por seis o total de universitários; a saúde e o transporte público são universais, antes não eram; a renda per capita aumentou; e a extrema pobreza diminuiu.

O tema em pauta e a percepção popular giram por outro lado. Existe uma melhoria real da qualidade de vida do venezuelano pobre. Isto se dá através da soma de recursos do Estado com a promoção da sociedade civil de baixa renda. A maioria, ao sentir o gosto do protagonismo político, mesmo que sob a condução de um líder carismático, não quer arriscar abrir mão de suas conquistas. Os beneficiados pelos dez anos de governo chavista (cerca de 60% da população) desconfia dos partidos de intermediação tradicionais. Discute-se aqui um clássico da teoria democrática. Se a democracia de concorrência e alternância política não solucionar os problemas básicos do cotidiano, a maioria não se sente comprometida com este regime político. E, havendo alternativa, esta será considerada válida.

É por isso que a Emenda é tão temida pela oposição. Chávez e seus candidatos aumentaram seus índices eleitorais em 20%, passando de 4.379.392 na derrota do referendum de 2007 para 5.504.902 votos nas eleições municipais e estaduais de 2008. Hoje a aliança encabeçada pelo PSUV governa 265 das 327 prefeituras, 18 das 24 capitais de estado, 80 dos 100 municípios mais populosos e 17 dos 22 estados. Estes números já são impactantes e avisam aos analistas que há massa e fidelidade eleitoral. Some-se isto à desconfiança das maiorias para com as antigas elites políticas e já temos os elementos para uma democracia de tipo plebiscitária. Se o SIM ganhar, é meio caminho andado para, no mínimo, um terceiro mandato de Hugo Rafael Chávez Frías. Se a continuidade do governo atual implicar em mais benefícios sociais e organização de base, como desmontar essas estruturas depois? Entendo que a questão de fundo é:

- Como pode alguém defender algo - a alternância no poder - quando entende que isto não lhe favorece?