Por Valério Cruz Brittos e Andres Kalikoske
A fim de driblar a carência de autores consagrados em seu casting, majoritariamente contratados pela Globo e Record, o SBT recorreu a uma medida pouco plausível, mas estranhamente interessante para reativar seu núcleo de teledramaturgia. Trata-se do lançamento da cônjuge de Sílvio Santos, Íris Abravanel, como novelista, à frente de Revelação. A produção é um divisor de águas na história da emissora: além de ser a primeira novela gravada em alta definição, marca o fim de uma joint venture iniciada há nove anos com a mexicana Televisa. Com texto original – o primeiro desde Fascinação, escrita por Walcyr Carrasco, em 1998 –, o produto estréia com seus 150 capítulos inteiramente gravados, impossibilitando possíveis ajustes ao longo da transmissão, conforme a reação do público.
A julgar pela primeira semana de exibição, o vôo solo do SBT não deve nada aos seus recentes títulos, co-produzidos com a Televisa. Falta agilidade, verossimilhança e um gancho que prenda efetivamente o telespectador, de forma que se sinta motivado a não perder o capítulo seguinte. Com um time de sete roteiristas (alguns advindos de uma igreja evangélica, da qual Íris é devota), supervisionados pelo já demitido Yves Dumont, a espinha dorsal do enredo patina ao explorar os desencontros do casal protagonista. Nas cenas de ação, a ausência de agilidade é notável, tanto na narrativa quanto na estética – algo que a Globo sabe explorar muito bem e a Record já aprendeu. O picote das seqüências na edição não garantiu agilidade: ao contrário, só quebrou a narrativa, prejudicando-a.
Problemas de áudio e vídeo
Para completar, o núcleo cômico até tenta fazer graça, mas a retração dos atores diante das câmeras – muitos são oriundos do teatro – torna o resultado sofrível, conseguindo ficar aquém dos humoristas de A Praça É Nossa. Nessa configuração, os experientes Antonio Petrin, Elaine Cristina, Flávio Galvão e Cláudia Mello têm pela frente a difícil tarefa de manter a audiência conquistada pela reprise de Pantanal – ou, ao menos, não amargar índices pífios, ao ponto da novela ser minimizada ou retirada do ar, o que sempre é possível, mesmo que a autora seja uma das donas da emissora.
De um lado, Revelação não traz atores-celebridades capazes de agregar público por sua própria figura; de outro, com a exceção dos mais experientes, grande parte do elenco não domina o naturalismo característico da dinâmica de interpretação na telenovela brasileira.
Sem renunciar ao seu padrão tecno-estético, o SBT mostra-se frágil como produtor de teledramaturgia, levando ao ar um produto tecnicamente mal acabado, o que atesta que os R$ 200 mil destinados para a realização de cada capítulo estão sendo muito mal utilizados. No primeiro episódio, apresentado a partir das 23h15 da segunda-feira 8/12, caracteres exagerados confundiam o telespectador, tentando situar os países onde a história se inicia – Portugal, Espanha e Brasil. Além disso, por diversas vezes faltou sincronia entre o áudio e o vídeo, remetendo a uma deficiência já superada pelo cinema brasileiro (neste caso, porque as falas dos atores eram gravadas separadamente), ou, em ironia, às novelas mexicanas, dubladas em português.
Pantanal como atração fixa?
Em meio a tantos deslizes, Revelação tem alguns acertos que, frente a um investimento subseqüente e contínuo no setor de teledramaturgia, podem render bons frutos ao SBT. O tema de abertura, interpretação inédita do trio Sá, Rodrix e Guarabyra, dá vitalidade à trilha sonora, sob responsabilidade da produtora musical Laura Finocchiaro. O texto, apesar de inexpressivo, tem vantagens, com relação à tradição do canal. Mesmo que timidamente, o enredo resgata temas contemporâneos da sociedade brasileira, como as dificuldades enfrentadas pelo surdo-mudo Léo (Jiddú Pinheiro), a busca inconseqüente pelo poder, através do prefeito George Castelli (Flavio Galvão), e a ação preponderante dos narcotraficantes nas favelas (o que vem sendo bem explorado pela Record).
Apesar da acirrada concorrência do mercado televisivo brasileiro, imposta especialmente a partir dos investimentos da Record em infra-estrutura, nem de longe Revelação remete a produções vitoriosas da história do SBT, como a bem cuidada Éramos Seis, de 1994, ou a requintada Sangue do Meu Sangue, veiculada em 1995. Partindo do entendimento de que os produtos de teleficção necessitam de investimentos sucessivos, para aprimoramento de know-how, gerando resultados em longo prazo, Silvio Santos contratou a equipe de teledramaturgia da Band para coordenar suas futuras produções. Com passagens pela Globo, Record e pelo próprio SBT, o diretor Del Rangel assume o setor a partir de 2009. Tal ação, somada à aquisição de 35 obras de Janete Clair escritas para o rádio, pode indicar um novo horizonte para o canal.
Enquanto a inovação não sai do papel, Silvio Santos deve explorar exaustivamente os produtos da Manchete, adquiridos junto à produtora independente JPO. Repleta de planos longos, imagens belíssimas, narrativa lenta e doses fortes de erotismo, com beldades desnudas em paisagens pastoris, Ana Raio e Zé Trovão parece ser, no momento, a melhor opção para a emissora assegurar seu segundo horário de novelas (ainda que a exibição original, na Manchete, não tenha obtido todo o êxito pretendido). Isso se Pantanal não se transformar em atração fixa na grade de programação, como foi recentemente cogitado. Sua audiência, que gira em torno de 15 pontos, mostra que ainda há fôlego para banhos de rio, tuiuiús e marruás.
Publicado originalmente no Observatório da Imprensa, em 16/12/2008.