sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A respeito da vitória de Obama e a América Latina

por Bruno Lima Rocha*

Refletindo de modo apressado a respeito da vitória do cientista político por Columbia e advogado por Harvard, sou obrigado a expor as obviedades que ninguém diz. Barack Obama cumpriu os rituais de entrada na elite dos EUA. O termo em inglês, ruling class, a classe que legisla, que manda, dentro e fora dos limites institucionais, me parece o mais apropriado. Para ser parte deste círculo fechado, o ritual de passagem inclui a formação acadêmica de excelência e algum contato com a Ivy League (Liga de Universidades do Nordeste dos EUA). Tanto o presidente eleito do Império como sua primeira dama, Michelle Robinson, tem o selo de qualidade de três das oito universidades (Columbia, Princeton e Harvard) que compõem o círculo mais antigo da formação de membros das elites dirigentes da pátria de Oliver North e Dick Cheney.

Barack é o exemplo vivo do multiculturalismo, mas o melting pot tem de dar frutos para dentro das linhas de fronteira marcadas pelo Destino Manifesto. Porque para os demais países, após o arco-íris não tem pote de mel algum e sim um porta aviões. Se ele entrou como azarão na representação político-partidária, Obama não vai brincar de apertar o Camelot como fez o filho do irlandês que traficava bebida durante a Lei Seca. No campo simbólico, sua vitória é um marco da política mundial. Em uma sociedade racialmente dividida, um afro-descendente ganhar é a prova cabal de que a ação afirmativa abre caminho para uma nova classe de ex-discriminados. Dito e feito, mas deve ser só isso.

Para os povos que se defrontam com a outra ponta do Big Stick, alguns “gestos” são essenciais. No que nos diz respeito como latino-americanos, ficam agonias como:

- O bloqueio econômico a Cuba, será ou não suspenso?

- A base militar imperial que também serve de prisão, em Guantánamo, o que irá fazer com a masmorra?

- A 4ª frota, terá o mesmo papel de avanço sobre os recursos naturais da América Latina?

- O papel do Departamento de Estado, CIA e DEA, será o de continuar conspirando para derrotar todo e qualquer governo com traços de soberania nacional e respeito da vontade popular no Continente?

- Seguirão fazendo aportes de montantes absurdos para a Colômbia, dando sustentação ao governo do narcotraficante e paramilitar Álvaro Uribe Vélez?

- A biopirataria na Amazônia seguirá sendo feita por “missionários” estadunidenses?

- Na economia financeira e o re endividamento de nossos países, Washington vai dar suporte para a retomada do avanço do Banco Mundial sobre os caixas públicos da América Latina?

A lista poderia seguir por mais vinte páginas, mas o tema de fundo passa por uma reflexão que deve ser feita pelos próprios latino-americanos. O mundo vive sob a ação do Império, mas nosso Continente sente esta presença direta, peleamos cotidianamente para deixar de ser o alvo do Big Stick. Por mais colonizada que sejam as elites dirigentes da América Latina e Caribe, o sentimento popular é anti imperialista e anti yankee. Para mudar esta situação, o novo chefe do Executivo deve tomar posturas de multilateralismo imediato. Duvido que o faça. Emparedado entre algumas aspirações reformadoras e as razões do Estado Corporativo de lá, provavelmente será o mais midiático dos presidentes estadunidenses. Mas, para os povos ao Sul do Rio Grande, deve ser apenas isso.

Como afirmou o general de homens livres José Gervasio Artigas, gaucho oriental, após quinze anos na lida de vento, chumbo, lança e coxilha:

- Somente podemos confiar em nós mesmos.

*Bruno Lima Rocha é jornalista e cientista político, editor do portal Estratégia e Análise. E-mail: blimarocha@gmail.com.

Fonte: Estratégia e Análise