Mexendo em casa de maribondo. Esta máxima popular, que alerta para os perigos de se envolver em algo arriscado, está perfeitamente adequada para ilustrar o texto substitutivo do deputado Jorge Bittar (PT-RJ) ao projeto de lei nº 29/07 (PL 29). São tantos os atores de olho na redação final do projeto que a tramitação vai se estendendo no Congresso Nacional até tentar alcançar um texto palatável para as partes envolvidas. Porém, tal busca por consenso tende a inviabilizar possíveis conquistas da sociedade civil, perseguidas há muito tempo.
O projeto regulamenta os serviços de comunicação audiovisual social eletrônica de acesso condicionado no Brasil, hoje separados em vários instrumentos legais. Em um primeiro plano, a polaridade se dá entre o interesse público e o privado. De um lado, a sociedade civil cobra a inclusão de políticas públicas no campo da televisão paga. Já do outro, as empresas de TV por assinatura exigem liberdade de mercado; mas, paradoxalmente, temem a concorrência com as poderosas redes de telefonia fixa na disputa pelo consumidor, configurando, assim, um segundo plano de divergências.
Fomentar o audiovisual
Para análise, os dois lados podem ser representados, respectivamente, pelos posicionamentos do Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC) e da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA). O FNDC cobra uma maior intervenção da sociedade no mercado, através do fortalecimento do Conselho de Comunicação Social (CCS) e da aguardada Conferência Nacional de Comunicação. Com o apoio da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), a principal reivindicação do FNDC é de que as conquistas da Lei do Cabo sejam ampliadas ou pelo menos mantidas, destacando-se, entre elas, os conceitos de rede pública e rede única.
De fato, o texto do substitutivo de Bittar não reflete o acúmulo dos movimentos sociais pela democratização da comunicação, pois, apesar do razoável diálogo com vários atores da mídia brasileira, são as empresas de telefonia e de televisão paga que acabaram se tornando as maiores beneficiadas. Com exceção de alguns avanços, o capital novamente se sobrepõe à mobilização civil, a exemplo do que ocorreu na escolha do modelo de TV digital no Brasil.
Foram justamente os poucos avanços do substitutivo que fizeram a ABTA se manifestar contra o texto. Através de um discurso neoliberal, suas considerações solicitam a retirada do projeto de qualquer menção que traga mais ônus ao serviço, como a inclusão de cotas para a produção nacional, os canais obrigatórios e o novo tributo destinado à fomentação de audiovisual: a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine).
Gigantes da economia privada
Na compreensão das empresas, o problema da falta de investimento no audiovisual brasileiro está no mau uso dos impostos pagos pelo setor privado. Segundo elas, já há arrecadação de tributos suficiente para fomentar a produção nacional, a ponto de torná-la competitiva com a realização internacional. A ABTA considera injusto cobrar mais dos capitais e obrigá-los a reservar um espaço maior para o audiovisual brasileiro no pacote de assinatura porque encarece os custos do serviço, prejudicando a expansão da TV por assinatura no país. Esta, no entanto, já vem enfrentando uma enorme dificuldade de firmar-se junto à população, a qual, em sua maioria, não reconhece valor substancial no produto.
Para piorar as perspectivas das empresas, o substitutivo também possibilita a entrada de uma terceira força na discussão, capaz de ir aonde os atuais grupos não conseguiram chegar. São as operadoras de telefonia fixa, conhecidas como teles. Economicamente superiores às empresas de televisão paga e politicamente mais influentes do que os movimentos sociais, as teles aguardam autorização do Estado para investir pesado na TV por assinatura. É provável que elas tenham mais facilidade para lidar com os desafios impostos pelo PL 29, de modo a privilegiar o seu acesso ao mercado e ameaçar o atual oligopólio.
A ABTA exige medidas preventivas que permitam iguais condições de concorrência entre as empresas do setor e as companhias de telefonia fixa. Caso contrário, ela teme a superação dos seus associados por grupos mais estruturados, tornando-os vítimas da defendida liberdade de mercado. Em termos práticos, a concentração vertical do audiovisual nas mãos da teles possibilita uma maior difusão do serviço, em virtude da alta capilaridade decorrente das operações de telecomunicações. No entanto, se isso acontecer, o Estado estará dando um enorme poder a esses verdadeiros gigantes da economia privada.
Um momento derradeiro
Para saber quem pode mais no PL 29, os brasileiros terão de esperar um pouco. O projeto, que estava prestes a ser votado na Comissão de Ciência e Tecnologia, para, em seguida, ser encaminhado ao plenário da Câmara dos Deputados, foi entregue à Comissão de Defesa do Consumidor em agosto deste ano. O novo relator do PL 29, deputado Vital do Rêgo (PMDB-PB), afirma que vai apresentar seu relatório sobre o projeto no começo de dezembro, porém sem os acréscimos de emendas, mesmo aquelas que já foram aprovadas pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, no final de 2007, ou acatadas pelo substitutivo de Bittar. Rêgo trabalhará o seu relatório somente a partir do projeto original.
O deputado petista, por sua vez, tenta fechar um acordo entre as lideranças partidárias para viabilizar a tramitação da matéria em regime de urgência. Se o acordo acontecer e o pedido for aprovado, o PL 29 passará simultaneamente pelas últimas duas comissões envolvidas, além da Comissão de Constituição e Justiça. As votações internas seriam dispensadas e os pareceres apresentados diretamente no plenário. Portanto, vive-se um momento derradeiro para a sociedade civil, as empresas de televisão paga e as teles testarem suas forças no projeto, que pode vir a ser um marco regulatório da comunicação brasileira.
Fonte: Observatório da Imprensa