quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Valério Brittos e César Bolaño falam sobre a reconfiguração da TV brasileira


A reforma agrária da televisão brasileira ainda não foi feita, mas ainda é possível fazer muita coisa para democratizar as comunicações nesta fase de implantação da TV digital, e este é o momento. Quem garante são os pesquisadores César Bolaño e Valério Brittos, em entrevista à professora da PUC-Rio e doutoranda em Comunicação pela UFRJ Patrícia Maurício. A entrevista foi concedida durante o XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), em Natal, em 6 de setembro de 2008.

Como é a militância de vocês por uma TV digital democrática?

Bolaño – Analisar a TV digital é conseqüência natural do nosso trabalho com TV. É um momento importante da regulação e decidimos fazer um estudo em profundidade. Nosso trabalho é um dos únicos fora do ponto de vista tecnológico, trabalha do ponto de vista da economia política. Coloca a tecnologia no seu devido lugar. Nossa militância é no campo acadêmico. Dentro do campo acadêmico a gente estuda um objeto de poder e o analisa de uma perspectiva crítica, que nos coloca ao lado dos movimentos pela democratização das comunicações no Brasil, e muitos dos militantes são nossos alunos e leitores. E nosso objetivo é que nosso diálogo com eles seja mais aprofundado.

Brittos – Nosso trabalho, de um lado, é alimentado pelos militantes, que acabam sendo nossos leitores e alunos, porque estamos todos no mesmo campo de perspectiva de mudança social. Nesse sentido nós somos alimentados por eles, porque demandas deles contribuem para a nossa reflexão, mas ao mesmo tempo nosso trabalho acaba servindo de pesquisa colada na realidade social e instrumento de mudança social. Essa é a principal questão, o diálogo com a militância. A ciência é pela manutenção do sistema, mas gostaríamos que fosse pela ruptura do sistema. Pensar num novo modelo de sociedade baseada na justiça social, na fraternidade e na solidariedade. Não temos filiação partidária. Publicamos livros, artigos em espaços de divulgação científica não científicos (como Observatório da Imprensa), participamos de debates em sindicatos e há dez anos temos a revista Eptic, on line, que se tornou pólo arregimentador deste debate. A revista foi fundada em 1999, já on line, junto com o portal, e herdou o nome de um boletim em papel, que desapareceu. Existe hoje um boletim por e-mail que é o EPnotícias.

Bolaño – A idéia inicial era fazer o portal e também a revista (esta para dar vazão à produção brasileira internacional), na época ninguém sabia o que era revista on line. A nossa é muito clássica, como uma revista acadêmica normal, fugindo dos custos. Por sermos contra-hegemônicos, a questão dos recursos é sempre um problema. Nós tirávamos um boletim por ano em papel. Ao longo dos dez anos foi sendo incrementada e hoje temos um portal com uma revista, webnotícias, teses, dissertações sobre economia política da comunicação. (ver no site a história).

Qual é o retorno de todo este trabalho?

Brittos – O retorno é enorme. Um fato objetivo é a criação da Ulepicc (União Latina de Economia Política da Informação da Comunicação e da Cultura). Em dez anos consolidamos uma área que era emergente e com dispersão na América Latina. Hoje é consolidada e aglutinada. Isso se deu com a nossa militância em diversas associações e através da Eptic, que é aglutinadora, pretende reunir todo o mundo latino, todos os de fala latina. A Ulepicc é uma federação internacional, temos três capítulos nacionais: no Brasil (fundado em 2004), na Espanha (2004) e em Moçambique (2008).

Como começou a Ulepicc?

Brittos e Bolaño – A Ulepicc começa em 2001 em Buenos Aires, estimulada por nós. A carta de Buenos Aires mostra um compromisso com a ação social. A última reunião internacional foi no México e a próxima será no ano que vem em Madri. As últimas reuniões do capítulo brasileiro foram em Niterói, em 2006, e Bauru, em 2008. A próxima será na ECA/USP em 2010. Fora uma série de eventos que a gente organiza. Na Compós tem o GT de Economia Política e Políticas de Comunicação. A Compós existe há uns 15 anos e nunca teve um GT desses. A articulação começou em 2005, arregimentando assinaturas, e o primeiro foi em 2007.

Qual é o objetivo de vocês em relação à TV digital?

Brittos e Bolaño – Queremos que a TV digital sirva como avanço para a democratização da comunicação. Em parte isso foi perdido porque o modelo – padrão japonês – não divide o canal, não teve uma reforma agrária ainda. Sem nova licitação, vai para o mesmo empresário. Isso foi perdido, mas ainda há mais. Queremos que haja licitação para novos canais; que haja uma lei de comunicação social. O pensamento do Ministério das Comunicações é que a legislação seja totalmente permissiva. Mas tem que ter regras. O que fazer com isso? Compromissos, caderno de encargos – obrigações de quem recebe a concessão. A TV digital é o momento para isso.

Por Patrícia Maurício
Notícia publicada no site EPTIC.