por Bruno Lima Rocha*
“Se escolher navegar os mares do sistema bancário, construa seu banco como construiria um barco: sólido para enfrentar com segurança, qualquer tempestade”.
A bela frase, que dá a idéia da importância da “segurança no investimento” e a “credibilidade de honrar depósitos e compromissos” é de Jacob Safra, judeu sefardita residente em Alepo, Egito , e que dera início ao império da família de financistas, como eles mesmos se auto denominam. Pois a segurança ao navegar parece que não foi levada em conta pelos mares dos derivativos. O Banco Safra detém 28% do capital acionário da Aracruz Celulose. Outros 28% pertencem ao grupo sueco-norueguês Lorentzen; 28% a Votorantim Celulose e Papel (VCP, subsidiária da Votorantim) e como sócio minoritário e financiador das papeleiras, entram 12,5% do capital pertencendo ao BNDES. Apostaram errado e agora, ao invés de liquidar parte do patrimônio do banco para cobrir a perda.
Não começa na crise a série de atos de tipo irresponsável e criminoso envolvendo a silvicultura no RS. Antes de estourar a crise da jogatina financeira, alguns procuradores da República instalados no Rio Grande chamaram a atenção para o desrespeito ao zoneamento ambiental e a participação do Estado, através de recursos do Tesouro Nacional alocados no BNDES, na infração das leis federal e estadual. Agora, entramos em um terreno ainda mais nebuloso. Como pode uma empresa com participação acionária do dinheiro do contribuinte apostar em mercado futuro? Que papel cumpre o Estado, através de seus “técnicos de carreira” e controladores, se a hierarquia do Banco de “Desenvolvimento” não controla seus investimentos. Expor ao risco o dinheiro público é apropriação indevida. A dimensão política dessa aventura com o patrimônio coletivo é a usurpação privada dos bens e riquezas gerados pela sociedade.
A Aracruz Celulose e Papel, uma joint-venture de grupos com vinculações brasileiras, mas atuando como transnacionais, anunciou perdas com “derivativos e câmbio” da ordem de R$ 2,1 bilhões apenas no terceiro trimestre de 2008. Ou seja, estava jogando no mercado futuro, deixando no risco e no cassino as linhas de crédito por esta empresa obtida. Já é um absurdo dispormos as terras mais férteis do país para o plantio de árvores exóticas cuja finalidade do produto é o papel para exportação. Isso é uma forma econômica de invasão do território do Cone Sul e do uso dos recursos não renováveis, como o Aqüífero Guarani e a Laguna dos Patos. Além do cloro em abundância no Lago Guaíba , fica a expectativa frustrada da não-expansão da fábrica de Guaíba, e a “choradeira” de sempre. Forçando o Estado a refinanciar o capital privado, já preparam o terreno midiático para condicionarem a “saúde financeira” com uma ou mais linhas de crédito abertas pela União. Preparemos todos nossos bolsos, pois mais facada virá.
Os resultados da Votorantim Celulose e Papel (VCP), empresa do Grupo Votorantim apresentam “prejuízo líquido de R$ 586 milhões” no terceiro trimestre de 2008. Foi o preço do papel? Alguma praga que se abateu nos desertos verdes de eucalipto? Não, a perda foi o estouro da bolha e a jogatina com linhas de crédito. O Grupo Votorantim vai torrar R$ 2,2 bilhões para “diminuir a sua exposição cambial”. Traduzindo, a VCP e sua matriz pegaram dinheiro barato lá fora, apostaram na valorização da moeda brasileira, venderam seus créditos e podem não honrar seus compromissos de dívidas. Não bastasse isso, ainda aumentam o rombo nos balanços em função do dólar valorizado acima da “aposta no swap”. O mercado futuro impregnou o sistema produtivo, financeirizando os balanços e condicionando as expectativas destes agentes econômicos. Já não basta ter de financiar com dinheiro público – de forma direta e via isenção fiscal – os investimentos “produtivos” destas empresas. A “choradeira gerencial” é para que os contribuintes cubram o rombo fruto da aposta errada.
Os projetos das papeleiras já são uma barbaridade do ponto de vista estratégico. Dentre vários motivos para essa firmação, elenco três deles: o modelo vai gastar em 30 anos recursos naturais não-renováveis; vai poluir as reservas de água já potáveis; e vai usar a terra fértil para uma commodity primária e que não alimenta ninguém. Isto sem falar no absurdo de desnacionalizar o solo em terras de fronteira e rasgar as normais legais através de contratos de gaveta para plantio de eucalipto e áreas de mananciais e lindeiras da Laguna dos Patos!
Além das razões elencadas acima, o entreguismo narrado tem ares de tragédia produtiva. O que produz não presta para uma sociedade sana e sustentável. E, antes de produzir, apostam seus créditos e comprometem já as poucas riquezas que podem gerar. No fim do túnel, a luz da lanterna de salvação deles é o Tesouro Nacional. Quanta “coincidência”!
*Bruno Lima Rocha é jornalista e cientista político, editor do portal Estratégia e Análise. E-mail: blimarocha@gmail.com.
Fonte: Estratégia e Análise