terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Desafios e possibilidades do modelo PluriTV

Na indústria da televisão, o processo de digitalização não apenas fomentou o fluxo dos produtos audiovisuais como multiplicou enormemente suas possibilidades de produção e consumo. O resultado foi um cenário pulverizado, caracterizado por múltiplas telas, em grande parte dotadas de mobilidade e portabilidade, localizadas em lugares inusitados e nunca antes vistos. O sistema televisual é expandido quanto à sua ubiquidade, embora o abastecimento de seus conteúdos ainda privilegie atores hegemônicos já estabelecidos no mercado audiovisual, especialmente quando se refere às principais janelas, que mobilizam grandes audiências e seguem funcionando num modelo concentrado pela escassez.
A TV tradicional não sai de cena, mas passa a conviver com uma pluralidade de telas, com modelos específicos de serviços e negócios, o que conforma a PluriTV, que oferece poucas certezas e muitas possibilidades. Seu processo formativo, ainda em curso, decorre de fatores diversos, tais como (a) desenvolvimento da comunicação, do espaço da cultura, da informática e do setor eletrônico; (b) investimento em inovação por grandes grupos transnacionais, altamente capitalizados; (c) necessidade de novos modelos de rentabilidade a partir da crise do intervalo comercial tradicional; e (d) pulverização de audiências, o que, em decorrência, enfraquece o poder histórico da televisão clássica, com vocação generalista.
Desde que o movimento de convergência se intensificou, a senhora televisão perdeu gradativamente sua capacidade de mediar isolada o controle social, passando a dividir este lugar com outros aparelhos eletrônicos, como celulares multifuncionais, computadores portáteis e tablets. Inicia-se, assim, um processo de expansão consequente do capitalismo, demarcado pela denominada Fase da Multiplicidade da Oferta, cuja característica principal é o aumento de agentes e serviços, com uma significativa diminuição da relação custo-tempo, para que as inovações sejam oferecidas aos consumidores. Esta mudança continua em processamento, gerando obsolescências forçadas, eliminação de etapas e acelerações.
Inovação vs. conteúdo
O austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950), um dos mais importantes economistas do século passado, compreende a inovação não apenas como a introdução de novos processos produtivos, mas também a partir do lançamento de diferentes suportes. Sua tese surgiu na década de 1940, ainda que voltada exclusivamente ao mundo empresarial não-cultural, numa época em que não se falava em indústrias criativas. A inovação schumpeteriana pressupõe a forma como uma tecnologia é incorporada, trabalhada e difundida mercadologicamente pelas companhias, o que pode se relacionar com o modo pelo qual um canal pago ou uma emissora televisiva aberta assimila um dado tecnológico e o utiliza estrategicamente para marcar uma posição distintiva no mercado, de preferência visando ao alcance de uma posição cimeira.
Com o advento da digitalização, sua proposição pode ser compreendida desde a alteração da cadeia de valor do produto, gerando mudanças radicais no âmbito da produção, distribuição, consumo e comercialização para outros mercados. Na visão schumpeteriana, esta prática é chamada de destruição criadora, que, de modo simplificado, é como reinventar a partir do que já existe. O legado de Schumpeter tem demonstrado que empresas inovadoras, as quais correspondem às solicitações do mercado, têm sido promovidas, enquanto grupos sem agilidade para acompanhar as mudanças são extintos. Ao contrário da velha máxima futebolística, hoje se mexe em time que está ganhando. Assim, a TV tradicional, em crise, é reinventada e, de outro modo, passa a ocupar vários espaços sem o protagonismo anterior.
No transporte público
No quesito conteúdo, a inovação da PluriTV poderia ser muito maior. Isso porque seu potencial rapidamente chamou a atenção de atores hegemônicos do mercado televisivo, que passaram, então, a redistribuir seus estoques nas múltiplas telas. Como os produtos já foram produzidos e difundidos, não há novo investimento em realização, dificultando a entrada de novos atores, até por falta de competitividade. Os shoppings das principais capitais, por exemplo, passaram a oferecer publicidade utilizando-se de conteúdo proveniente da internet. Um modelo de reprodução parecido com este também atinge condomínios de luxo de São Paulo: enquanto as crianças brincam no playground dos edifícios, as mães ou babás podem assistir documentários específicos sobre educação infantil, recreação ou culinária.
O transporte público é outro serviço que tem recebido atenção das emissoras de TV aberta. Mais de 500 coletivos de São Paulo já dispõem de televisores, a maioria sintonizada na Globo. Recentemente, a emissora da família Marinho firmou parceria para distribuir seus estoques também nos principais terminais de metrô da capital paulista. O Rio de Janeiro, que ainda é um mercado em ascensão para este novo negócio, já conta com mais de 50 ônibus equipados com telas de LCD. São transmitidos resumos diários de 45 minutos de novelas, jornalismo e entretenimento da programação televisiva da Globo, sempre com um dia de atraso, serviço estendido às embarcações que fazem travessias de Niterói para o centro do Rio. A PluriTV está em todos os lugares, como nos aviões, podendo ser vistos desde pequenos noticiosos das companhias aéreas a séries tradicionais e filmes das majors.
***
[Valério Cruz Brittos e Andres Kalikoske são, respectivamente, professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e doutorando em Ciências da Comunicação na mesma instituição]

Fonte: Observatório da Imprensa.