A esperada 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), fruto da luta histórica (e árdua) dos movimentos sociais e entidades ligadas à comunicação, findou há mais de 500 dias (foi realizada em dezembro de 2009, em Brasília), mas poucas de suas resoluções foram materializadas. A tese de boa parte dos militantes e dos observadores que estiveram presentes ou se envolveram no processo de mobilização é de que a Confecom bastou-se por si própria, já que conseguiu reunir organizações sociais, governos e empresas (de comunicação audiovisual e telecomunicações) para debater, ainda que timidamente, a necessidade urgente de democratização do setor, o que é um primeiro passo para passar à ação, tratando-se de um setor tradicionalmente fechado ao debate público, com decisões no plano privado.
Mas falta transformar a resolução em realidade. A articulação entre as entidades envolvidas na dinâmica que resultou na 1ª Confecom persiste, assim como a pressão em favor das mudanças defendidas (e aprovadas em plenário) na Conferência. No entanto, passadas as eleições presidenciais de 2010, o governo federal parece menos motivado em ouvir a sociedade civil do que as companhias de comunicação e de telecomunicações, como vem ocorrendo nas discussões sobre o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). Desta forma, as resoluções da Confecom ficam à espera de um melhor momento político para implementação, desconhecendo-se quando ocorrerá. Ante isso, certamente é o momento das organizações sociais se articularem em torno de uma 2ª Confecom, o que poderia incentivar o Executivo a envolver-se mais direta e corajosamente na implantação das medidas aprovadas.
Força política
A Conferência aprovou, por exemplo, a criação de conselhos nacional e estaduais de comunicação, nos mesmos moldes daqueles já existentes nas áreas de saúde, educação e direitos da criança e do adolescente. Tais conselhos fiscalizam a prestação do serviço público, com base na legislação em vigor, e permitem a participação da sociedade civil na elaboração de políticas públicas nos respectivos setores. No caso da comunicação, os conselhos estaduais poderiam propor aos governos medidas que objetivem, dentre outros pontos, à universalização do acesso à banda larga, ao desenvolvimento da radiodifusão comunitária e à definição de critérios transparentes de distribuição da verba publicitária. Também poderiam realizar audiências públicas para discutir a renovação das outorgas de rádio e televisão, encaminhando indicativos às instâncias nacionais, já que a jurisdição para a temática é federal.
A própria Constituição Federal (CF), em seu artigo 224, prevê o funcionamento de um Conselho de Comunicação Social como órgão auxiliar do Congresso Nacional. Este organismo chegou a ser instalado em 2003 (portanto, 15 anos após a promulgação da CF), mas teve vida efêmera e desde 2005 está inativo. Entretanto, boas notícias têm vindo dos estados. Enquanto o Legislativo nacional mantém inoperante o seu Conselho e o Executivo não cria um órgão nessa direção, com dimensão deliberativa, vários estados tornam-se protagonistas na concepção destas estruturas. A Bahia foi pioneira, tendo seu Conselho de Comunicação Social, de funções consultivas e deliberativas, sido aprovado pela Assembleia Legislativa em abril último. Já a Assembleia Legislativa do Ceará aprovou, ainda em outubro de 2010, projeto de indicação do Conselho Estadual de Comunicação que não foi sancionado pelo governador daquele estado. Em Alagoas, Piauí, Distrito Federal, Rio Grande do Sul e São Paulo, a implementação dos conselhos vem sendo igualmente tema de debates.
A Confecom também aprovou, entre cerca de 600 resoluções, a definição de novos critérios de outorga e renovação das concessões de rádio e televisão, a restrição à propriedade cruzada, o incentivo à produção regional independente, o respeito à diversidade e à dignidade do cidadão no conteúdo veiculado pelas emissoras e a criação do Conselho Federal de Jornalismo. Tudo segue carente de decisões que transformem o aprovado em realidade. Para isso contribui o temor dos governantes em contrariar os empresários de comunicação, especialmente os radiodifusores, frente à enorme força política que dispõem. Afinal, notícias e editoriais divulgados na mídia, por opção ideológica ou incapacidade profissional, transformam qualquer debate sobre a regulação dos meios audiovisuais em tentativa de censura, condenando publicamente os agentes públicos apoiadores dessas iniciativas.
Caminho mais contundente
A pressão das companhias midiáticas contrárias ao debate possibilitado pela 1ª Confecom não veio apenas da ignorância à mobilização, desconhecida ou desmoralizada nos noticiários das várias mídias mantidas por estas empresas. Veio também de uma franca tentativa de deslegitimar e esvaziar a Conferência. A Rede Globo e a entidade empresarial que representa seus direitos, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), por exemplo, participaram das negociações para a realização da Confecom, impuseram muitas negativas e condições na definição do processo de implantação, desistindo de participar às vésperas do evento. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) seguiu o mesmo caminho. Coube à Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra) e à Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil) defenderem os interesses empresariais, na oportunidade.
Boicotes de empresas e desinformação imposta à população à parte, a realização da 1ª Confecom segue como referencial da luta dos movimentos sociais para debater a comunicação e defender alternativas de conteúdo que contemplem a diversidade cultural e econômico-social do país. O Brasil tem um longo caminho a ser percorrido, de forma a que os brasileiros possam ver-se e ouvir-se, de modo a manifestar seus desejos e angústias, assim fazendo valer o direito humano à comunicação, em contrapartida ao modelo atual de comunicação, que delega ao mercado a decisão sobre o que os brasileiros irão assistir, escutar e ler na mídia.
Uma 2ª Confecom pode ser o caminho mais contundente para transformar em realidade as decisões da 1ª Conferência, mas o fato é que a sociedade civil organizada ainda tem muita mobilização a fazer para tornar efetivas suas posições já publicizadas.
Fonte: Observatório da Imprensa