terça-feira, 26 de abril de 2011

O alvoroço em torno de um contrato

Por: Valério Cruz Brittos e Anderson David Gomes dos Santos

A renovação do contrato da empresa Dinheiro Vivo Consultoria Ltda., de propriedade do jornalista Luis Nassif, para a elaboração de um programa semanal de uma hora sobre economia na TV Brasil, repercutiu na grande mídia desde que a notícia foi publicada no Diário Oficial da União, na sexta-feira, 15 de abril. A maioria dos grandes jornais do país criticou a contratação sem licitação pelo valor de R$ 660 mil por um ano do jornalista para a produção do programa Brasilianas, no ar na emissora público-estatal desde junho de 2010.

Resta saber se o problema visto por jornais como Estado de S.Paulo, Folha de S.Pauloe Zero Hora foi exatamente pela contratação sem licitação ou pelo fato de, segundo eles, Nassif ter um blog supostamente "pró-governo", onde ele também faz críticas a jornais e jornalistas, a exemplo de um dossiê sobre a revista Veja, publicado em 2009. Questiona-se ainda o temor das indústrias culturais de uma televisão pública competitiva, com programação generalista, que atenda aos interesses da diversidade sócio-cultural do telespectador brasileiro.

A justificativa da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) é plausível. O grupo comunicacional detido pelo Estado cita o artigo 64 do Decreto 6.505/08 e o artigo 25 da Lei das Licitações (8.666/93), em que "é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição". Neste caso, ela acredita que o histórico do jornalista, vencedor de vários prêmios e com passagem por grandes veículos do país, justifica a não realização de licitação e o valor pago pelo contrato total de R$ 1,28 milhões de reais pela execução do Brasilianas.

Argumento aceitável

A EBC identifica em Nassif um nome de brilho próprio, com notória capacidade e reconhecimento do público, assim como as demais emissoras têm seus astros, entre os vários gêneros e formatos de conteúdo. Assim, vê neste profissional um especialista em um dado tema, neste caso a economia, que pode agregar e fidelizar audiência à emissora. Seus reconhecidos conhecimentos na área também justificam o salário pago, cerca de R$ 55 mil por mês, valores de mercado pagos a jornalistas com tal experiência e renome.

Vale a pena dizer também que a contratação sem processo licitatório não foi criticada quanto a outros projetos da EBC, casos do Samba na Gamboa, Papo de Mãe eExpedições, o que demonstra que a maior preocupação foi realmente o conteúdo do que é publicado por Nassif no seu blog, atualmente instalado no portal iG, bem como o fato de ser um profissional que pode contribuir na alavancagem da emissora, cuja programação deve renovar-se se quiser disputar público e impactar positivamente a televisão brasileira, repleta de problemas.

É claro que as contratações em empresas públicas, como regra geral, devem ocorrer através de concursos e processos licitatórios, mas a exceção a essa medida é permitida por lei, como justifica o grupo no dispositivo jurídico que serve como justificativa neste caso e em tantos outros – como na assinatura de jornais por uma biblioteca pública, por exemplo, que leva em conta a importância das publicações, e não o preço mais baixo. Na verdade, este é um argumento plenamente aceitável, pensando-se no fazer comunicação.

Qualidade e democratização

Este caso demonstra ainda a preocupação das grandes empresas midiáticas quando o Poder Executivo resolve investir nos seus meios de comunicação, partindo realmente para ser um dos elementos a disputar o mercado, neste caso o televisivo, em detrimento ao que era comum até então – e ainda é em alguns casos, como no da paulista TV Cultura, que acaba de demitir 150 funcionários –, de os meios público-estatais de comunicação se recusarem a competir com a mídia comercial sem a menor preocupação em manter uma estrutura de produção adequada e em contratar profissionais de reconhecido valor no mercado.

É também curioso notar como esses grandes grupos midiáticos apegam-se à lei apenas quando necessário. São raros os casos em que se fala de coisas como propriedade cruzada, oligopólio midiático e processos judiciais em que estão envolvidos, por algum fato que midiatizaram ou irregularidades praticadas por seus proprietários. No caso da contratação de Nassif, por mais que se discutam os valores e a necessidade de licitação, a EBC está amparada por lei. Espera-se, por outro lado, que a TV Brasil avance no propósito de levar aos brasileiros uma programação com mais qualidade e contribuir com a democratização da comunicação.

Fonte: Observatório da Imprensa