sábado, 26 de março de 2011

Cultura vs. mercado: a telenovela como produto cultural

* Por Andres Kalikoske e Jonathan Reis*

Paola Oliveira e Eriberto Leão em cena de Insensato Coração, da Globo

Não raramente, o Brasil é lembrado como o país do futebol, do carnaval e das telenovelas. Este último referente, no entanto, mesmo mobilizando grandes audiências durante décadas e movimentando cifras milionárias na indústria do entretenimento, ainda não ocupa o lugar que lhe é de direito no âmbito cultural. Um fenômeno contraditório e que não é recente, herança dos primeiros romances folhetinescos publicados em periódicos jornalísticos, cuja função era de fidelizar assinantes através de histórias publicadas em capítulos. Muitos intelectuais desconhecem que nem mesmo Karl Marx resistiu aos romances seriados. Prova disso foram suas menções sobre Os Mistérios de Paris, ora editadas no livro A Sagrada Família.

No Brasil, este paradoxo ocorre também com o cinema nacional. Em países como Argentina, Chile ou, em menor grau, o Uruguai, o culto ao cinema nacional é recorrente. Isto tem diminuído nas últimas décadas, mas ainda na cidade de Buenos Aires, por exemplo, dificilmente se encontrará uma sala de cinema que não ofereça duas ou mais produções nacionais. Em tempos de recessão da indústria cinematográfica nacional, ou quando simplesmente não há nada novo, a oferta de películas nacionais antigas é prática comum.

A renovação que o produto exige

Enquanto a Argentina venera seus cadáveres – sejam oriundos da tela da TV ou do cinema, para não citar os do âmbito político –, no Brasil isso não ocorre. Talvez pelo culto ao estrangeirismo que existe em nosso país, parece difícil para a população, de modo geral, considerar Arlindo Silva, Gilberto Braga, Glória Pérez ou Silvio de Abreu como os autênticos tradutores contemporâneos da nossa cultura. As novelas brasileiras permeiam o imaginário popular, gerando discussões e fomentando tendências replicadas nas ruas, entre as famílias e, mais recentemente, nas redes sociais. Nos âmbitos industrial e artístico, é necessário obedecer a determinados preceitos.

No caso da Globo – que ocupa o segundo lugar em exportações de novelas para o mundo, perdendo apenas para a Televisa, do México –, trata-se de uma receita, um costume de que uma empresa que sabe fazer e aprendeu fazendo, ou como os norte-americanos gostam de dizer, um know how desempenhado muito competentemente. Inquestionavelmente a melhor novela produzida no mundo, através das mais brilhantes mentes, que são seus autores. É através deles que as novelas atingem o âmago popular para se transformar em um autêntico produto cultural. Ainda que produzidas em escala fabril, deve-se admitir que a Globo consegue dosar escolhas técnicas e artísticas, considerando o grau de renovação que o produto exige. Tal como reger uma orquestra, este processo percorre caminhos diversos: a escolha do roteiro, a adequação da história pelo adaptador, o horário em que a novela será programada, a seleção dos atores e o núcleo capaz de assumir o projeto, responsabilizando-se por seus acertos e deslizes.

Polônia compra seriado da Globo

Estudos recentes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) demonstraram que as novelas apresentadas nos últimos 40 anos estão moldando as famílias em aspectos como número de filhos e divórcios. A pesquisa, que considerou 115 novelas transmitidas pela Globo, nos horários das 19 e 20 horas, constatou que famílias com menos filhos estão se formando. A emancipação feminina mostrada nas novelas da Globo – como o ingresso das personagens no mercado de trabalho –, incentivou a independência da mulher da vida real, fator que, segundo a pesquisa, também repercutiu em um maior número de divórcios.

Mas as novelas brasileiras não estão apenas influenciando e causando polêmica no Brasil. Em Angola, por exemplo, são os programas que atingem as maiores audiências da TV. O comércio angolano também tem sido influenciado, levando centenas de vendedoras informais a atravessarem o Atlântico e desembarcarem em São Paulo, à procura de mercadorias para revender em seu país. Para as mulheres de Angola, as novelas brasileiras são referência sobre o que devem vestir. Os audiovisuais mostrados influenciam diretamente as populações da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (Palop), pelas características específicas do uso da língua portuguesa, compartilhada pelos povos de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe.

Mais recentemente, em fevereiro de 2011, a Globo vendeu, pela primeira vez, ficção seriada para a Polônia. Trata-se de Força Tarefa, que recebeu o título de Wydzia? wewn?trzny, e Cidade dos Homens, que na terra de Frédéric Chopin está sendo chamada de Miasto ludzi. Os títulos serão exibidos no horário nobre do canal Tele5, pertencente ao grupo de mídia Polcast Television.

*Respectivamente, jornalista e doutorando em Ciências da Comunicação na Unisinos, onde é coordenador do Núcleo de Análise da Teledramaturgia (NAT); e graduando em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda na mesma instituição e pesquisador do NAT.

Fonte: Observatório da Imprensa.