Como diferenciar o que é notícia do que é mau gosto? Parece fácil notar a diferença, mas um, por assim dizer, deslize, no portal Terra na sexta-feira (6/8), mostra o contrário. Em uma chamada do Terra TV, escancarada na home do portal, por um tempo o leitor pode visualizar a seguinte chamada: "Nervosa, namorada de Bruno faz xixi na roupa ao ser presa". Indispensável dizer da falta de seriedade jornalística nessa chamada infeliz.
Após pouco tempo no ar, a chamada da home foi modificada para "Namorada de Bruno tem reação inesperada ao ser presa". Igualmente indispensável notar que essa chamada induz o usuário curioso ao clique. Entrando no link, vê-se que a chamada continua lá, do jeito que estava antes.
No vídeo, um narrador, em off, fala dos infortúnios sobre a prisão da "namorada do Bruno". Nesta narração, consta o incidente do "xixi nas calças" como se fosse fundamental para uma matéria informativa, na qual a prisão da moça, Fernanda Gomes Castro, seria a notícia. Excessos da cobertura do chamado "Caso Bruno" à parte, este episódio merece um destaque especial não só por conta do extremo mau gosto e irrelevância da chamada e de certas informações do vídeo, mas também por demonstrar um "jornalismo" (assim mesmo, com aspas) que busca leitores não pela qualidade e agilidade, mas por ridicularizar pessoas.
Uma linha clara entre humor e jornalismo
Ora, até as paredes de qualquer redação séria sabem que não é o papel do jornalista ridicularizar pessoas, sejam elas culpadas, inocentes, corruptas etc. Não se pode confundir bom-humor com ridicularização. A revista piauí, por exemplo, tem um ótimo bom-humor em suas matérias sem ridicularizar ninguém, assim como as charges do Jornal da CBN de Heródoto Barbeiro. O papel da ridicularização é o do humorista, não do jornalista.
Bill Novach e Tom Rosentiel, no livro Os Elementos do Jornalismo, explicam muito bem, pelo menos na minha opinião, a função real da prática jornalística: "A principal finalidade do jornalismo é fornecer aos cidadãos as informações de que necessitam para serem livres e se autogovernar." Na mosca.
Não desmereço a importância do Caso Bruno, o qual demonstra sérias falhas de políticas públicas na defesa da mulher, na polícia, na relação dinheiro/poder e outras coisas. Mas a ridicularização não é parte do jornalismo e não se pode veicular algo que ridicularize alguém, ainda mais sem motivo algum, apenas para conseguir mais audiência. Não culpo as pessoas que, curiosas, clicaram no link para ver do que se trata. Não é o trabalho delas filtrar bem o imenso conteúdo do noticiário, especialmente o de internet. Como não sou leitor frequente do Terra, nem fico na internet caçando "notícias" como essa, não posso fornecer dados sobre a constância desse tipo de ocorrência. E creio que nem seja preciso, já que em apenas uma breve olhada aleatória na home do portal achei essa chamada.
O caso do Terra TV, contudo, não deve ser visto isoladamente. Todo dia programas de TV, sites e periódicos sensacionalistas – que se julgam jornalísticos – nada mais fazem do que exageros e ridicularizações de seus entrevistados ou alvos de piada. Não se trata de proibir esse tipo de coisa. Claro que não, as pessoas e entidades gozam de certa liberdade hoje em dia para tanto. Mas deve ser traçada uma linha clara entre o que é humor (mesmo que de mau gosto) e o que é jornalismo.
O "xixi" era um aborto
Nessa linha, a lei eleitoral n° 9.504/97, a qual, resumindo, proíbe emissoras de rádio e de TV de ridicularizarem candidatos às eleições, deveria ser mais específica e abrangente: proibir veículos, apenas em sua parte jornalística, de ridicularizarem quaisquer pessoas que sejam e traçar uma linha clara entre jornalismo e humorismo. Isso significa sair da lei eleitoral e entrar para uma lei de vigor nacional.
Veja bem, não há nada para impedir a liberdade de imprensa, de forma alguma, e sim, impedir que as pessoas sejam ridicularizadas gratuitamente por um dito "jornalismo de humor". Obviamente, não se deve extinguir o bom-humor de veículos jornalísticos, como charges, tiradas interessantes e até piadas, mas não absurdos como esse no Terra.
O humorista Helio de La Peña, no jornal Folha de S.Paulo de 8 de agosto de 2010, teve bons argumentos contra essa lei eleitora, como levar o humor ao eleitorado e não enfraquecer o debate pelo desinteresse da população com algo tão sério. Mas que tais argumentos sejam válidos para programas de humor, com essa clara definição.
Soube-se mais tarde que mulher do "xixi" teria sofrido um aborto, conforme informações de diversos veículos no fim de semana subsequente a esse vídeo. Engraçado, não?
Obs.: Atrás do "Fale conosco" do portal Terra, enviei uma mensagem sobre o tema, mas não obtive resposta.
Fonte: Observatório da Imprensa