quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Ficha limpa é pra valer

Por Luciano Martins Costa


A imprensa, aquela representada pelos jornais e revistas que chegam às principais capitais, ainda que em tiragem insignificante – mas que mesmo assim consegue influenciar a agenda pública –, parece atordoada diante dos acontecimentos que envolvem a disputa eleitoral.

Se o leitor atento observar os títulos das manchetes de política, vai constatar que há pelo menos três assuntos recorrentes nas edições dos diários e das revistas semanais. Um deles, evidentemente, é a sucessão de pesquisas de intenção de voto. O segundo é o dia-a-dia dos principais candidatos, que tradicionalmente compõe a crônica da campanha. O terceiro é o acompanhamento das decisões da Justiça Eleitoral sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa.

Em nenhum desses temas se pode encontrar uma linha condutora que ajude o leitor a entender o que está realmente acontecendo na política nacional neste ano de 2010.

Aprovação final

Com relação à questão dos fichas-sujas, a imprensa não tem conseguido oferecer aos leitores uma visão panorâmica das candidaturas colocadas sob suspeita, porque o noticiário em geral vem muito fragmentado.

As decisões anunciadas até aqui, oriundas dos tribunais regionais eleitorais, autorizam os candidatos vetados a seguir em campanha, porque, para que suas inscrições sejam definitivamente canceladas, é preciso que cada caso seja julgado na última instância. Fica, então, a imprensa, noticiando cada decisão de primeira instância, de modo que num dia o candidato está vetado e no dia seguinte volta a valer sua candidatura.

Na quinta-feira (26/8), os jornais noticiam a primeira decisão de instância superior sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa: o Tribunal Superior Eleitoral afirma que o candidato Nenem Itapipoca, que tenta se eleger deputado estadual pelo PSB do Ceará, não pode ter sua candidatura confirmada porque foi condenado pelo TRE cearense dois anos depois de ter sido eleito vereador, em 2004.

A notícia se destaca entre tantos anúncios de candidaturas vetadas porque é a primeira decisão do TSE na interpretação da nova lei, no que diz respeito a sua validade: com o veto à candidatura de Nenem Itapipoca, o TSE, a maior instância da Justiça eleitoral, está afirmando que a Lei da Ficha Limpa vale para as eleições deste ano e que sua validade é retroativa a casos passados e julgados antes da promulgação da nova legislação, ocorrida em junho deste ano.

A decisão equivale a uma aprovação final da nova lei.

Democracia direta

O ex-vereador cearense tem o direito de recorrer ao Supremo Tribunal Federal, que ainda não se pronunciou a respeito da constitucionalidade da nova lei, de sua aplicabilidade nas eleições deste ano ou de sua validade com relação a condenações ocorridas antes de sua existência.

Há muitas controvérsias entre juristas sobre a questão. No entanto, sabe-se que, nas instâncias superiores da Justiça, entra em campo não apenas a interpretação rigorosa da norma legal. Um pouco de política também acaba contaminando os votos dos ministros do Supremo.

No caso da decisão que manda para o lixo a candidatura do senhor Itapipoca, certamente vai ser levado em conta o fato de que a votação registrou cinco ministros do TSE contra as pretensões do candidato e apenas dois deles consideraram que a nova lei não poderia ser aplicada ao caso. O que complica a questão, se e quando ela chegar ao Supremo Tribunal Federal, é que um dos dois votos contra a validade da Lei da Ficha Limpa foi dado pelo ministro Marco Aurélio Mello, ministro titular do TSE e integrante do Supremo.

Por trás da controvérsia jurídica reina o significado mais importante da Lei da Ficha Limpa. Criada por iniciativa de cidadãos que se organizaram através das redes sociais na internet, a nova regulamentação que determina a inelegibilidade de candidatos com condenação criminal ou cível, por improbidade administrativa, representa uma ruptura no funcionamento do sistema legislativo.

Com a consolidação das novas tecnologias de comunicação, é muito provável que, se constatar que a Lei da Ficha Limpa produz a limpeza que os legisladores eleitos não se animaram a fazer por conta própria, a sociedade volte a se manifestar em outras questões que inquietam a cidadania.

Resta saber se a imprensa tradicional apoiaria iniciativas que induzem à idéia de democracia direta.

Fonte: Observatório da Imprensa