Magistrados, que já gozam de dois meses de férias por ano, podem agora 'vender' 20 dias e embolsar uma quantia a mais por ano.
Por Mariângela Gallucci e Felipe Recondo
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu que os magistrados federais devem ter as mesmas vantagens que já são garantidas a integrantes do Ministério Público Federal (MPF).
Por detrás dessa medida com fisionomia técnica, há uma ampliação de privilégios. Em consequência da decisão, assim como os membros do Ministério Público, os juízes, que já gozam de dois meses de férias por ano, poderão "vender" 20 dias e embolsar uma quantia considerável a mais por ano.
Além da possibilidade de vender um terço das férias, a simetria entre as duas carreiras garante aos magistrados direito a outros benefícios, como auxílio alimentação, licença-prêmio e licença sem remuneração para tratar de assuntos particulares.
No próprio CNJ há quem acredite que, se a decisão do conselho for questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), há grandes chances de a corte suspendê-la. Há uma súmula do STF segundo a qual o Judiciário não tem função legislativa e, portanto, não cabe a esse Poder aumentar vencimentos de servidores sob fundamento de isonomia.
A decisão do CNJ, tomada por 10 votos a 5, ocorreu seis dias depois de o STF ter encaminhado ao Congresso Nacional um projeto de lei para reajustar os salários do Judiciário da União em 14,79%.
Se o projeto for aprovado da forma como foi proposto, a remuneração dos ministros do STF, que estão no topo da carreira, deve passar dos atuais R$ 26.723 para R$ 30.675.
Argumentos. O advogado Luís Roberto Barroso, que defendeu os interesses da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), autora do pedido julgado pelo CNJ, afirmou ontem que a simetria entre as duas carreiras está prevista na Constituição. O mesmo argumento foi apresentado pelo conselheiro Felipe Locke, autor do voto que prevaleceu no julgamento no CNJ, ocorrido na terça-feira.
Legislação. A decisão do conselho foi criticada em Brasília. Para os contrários, o CNJ legislou. De acordo com eles, vantagens como a possibilidade de venda de parte das férias somente poderiam ser concedidas por meio de uma lei. Nunca por intermédio de uma decisão do CNJ.
"Ainda que não existindo a lei própria, o regime jurídico não pode ser diferente. As carreiras são simétricas. São duas carreiras típicas de Estado, que têm as mesmas garantias (como a vitaliciedade). Logo, o tratamento não poderia ser diverso", disse Locke.
A tese de que seria necessária a aprovação de uma lei para equiparar as vantagens das duas carreiras foi contestada pelo advogado Barroso em um memorial encaminhado aos conselheiros no início da semana. "Ao contrário do que uma leitura apressada poderia sugerir, o que se pede no presente processo administrativo não é a criação de benefícios sem a intervenção do legislador, mas sim a aplicação direta de um conjunto de normas constitucionais que impõem a simetria entre as carreiras da Magistratura e do Ministério Público."
Aplauso. A Ajufe divulgou ontem uma nota na qual o presidente da entidade, Gabriel Wedy, afirma que a decisão representou uma conquista "histórica e sem paradigmas".
"Muitos colegas já estavam deixando a carreira pelo fato de os magistrados gozarem de menos prerrogativas do que as carreiras jurídicas e do que os seus próprios subordinados hierárquicos. Há setores da magistratura federal, a exemplo do ocorrido na Espanha e Portugal, que cogitam fazer paralisações ou greve, devido à insatisfação", disse o presidente da Ajufe.
Em março, um mês antes de tomar posse como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Cezar Peluso disse que a corte deveria propor a redução de 60 para 30 dias das férias dos juízes, apesar de pessoalmente defender a prerrogativa. Até agora a proposta não foi feita.
FiscalO CNJ foi criado em 2004 pela Emenda Constitucional nº 45, para exercer o controle da atuação administrativa e financeira dos órgãos do Judiciário, bem como supervisionar o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes.
Fonte: Estadão