segunda-feira, 7 de junho de 2010

A campanha terrorista da SKY

Por Marcos Dantas*

Num texto que pode ser encontrado em http://www.liberdadenatv.com.br/, mas não pode ser sequer impresso, a SKY desinforma, deturpa e até mente ao dar as suas razões para se opor à PL-29, em tramitação na Câmara dos Deputados, para as quais logrou aliciar alguns deputados para a sua causa, cujos motivos, em véspera de eleição, são compreensíveis...

A SKY é controlada pela Liberty Media estadunidense, associada, no Brasil, às Organizações Globo. Detém quase 30% do mercado brasileiro de TV por assinatura. Como opera exclusivamente via satélite, não está submetida a qualquer tipo de regulação, já que não temos lei nenhuma para TV via satélite. Ela opera graças a uma autorização por mera portaria do Ministério das Comunicações. A PL-29, quando aprovada, vai acabar com essa aberração. Entende-se que a SKY, leia-se Liberty Media, seja contra a idéia...

Abaixo, listo os seus argumentos, cotejados com realidade.

Como é hoje
“A disputa pela audiência faz com que os canais
invistam em qualidade e programas atraentes
para os telelespectadores”

Como REALMENTE é hoje
Qualidade? A disputa pela audiência, como
toda e qualquer disputa pela audiência, faz
com que os canais invistam em programas de
baixa qualidade, repetitivos, desinformativos e
nada formativos. Quando assinei a NET, há
alguns anos, todos os domingos à noite, podiase
assistir, em um de seus canais, a alguma
bela ópera. Num domingo qualquer, sem mais
nem menos, em meio a uma ópera, subitamente,
sem aviso prévio, a música foi interrompida
e, incontinente, entrou... BBB. Ora, para ver
BBB, não preciso de TV por assinatura! Isso é
qualidade?

Como ficará
“O Capítulo V da PL-29 determina que os canais
terão de exibir 3:30 (três horas e trinta
minutos) semanais de programação nacional”

Como REALMENTE ficará
Errado. Essas 3:30 horas semanais refere-se
apenas ao “espaço qualificado”. Não atinge
todos os canais, mas apenas aqueles cuja programação
seja predominantemente considerada
“espaço qualificado” (não atinge ESPN, por
exemplo, mas pode atingir TNT, Sony...). De
qualquer modo, será que 3:30 horas semanais
são tanto tempo assim? O fato de ser “programação
nacional” implica baixa qualidade?

Como é hoje
“Os canais são considerados de qualidade ou
qualificados pela aceitação e preferência dos
clientes”

Como REALMENTE é hoje
Sofisma. A PL não estabelece que os canais
sejam “considerados de qualidade ou qualificados”.
A SKY está querendo confundir você.
No entanto, hoje, como não há qualquer legislação
sobre “padrões de qualidade” (como há
na Europa, por exemplo), os canais são considerados
“de qualidade” em função do faturamento
que dão à Sky, em assinaturas e publicidade:
é o que ela quer dizer com “aceitação e
preferência”. Para mim, por exemplo, a grande
maioria dos canais não tem qualidade nenhuma.
Mas isto, concordo, não passa de um particular
juízo subjetivo. O juízo da Sky (Qualidade
= $$$), certamente é mais objetivo...

Como ficará
“Cria o conceito de “canais qualificados” como
sendo aqueles de filmes, seriados, shows,
excluindo os religiosos, esportivos, jornalístico,
programas de auditório, étnicos, políticos e
televendas”.

Como REALMENTE ficará
Errado. Não cria o conceito de “canais qualificados”.
Cria o conceito de “espaço qualificado”
definido como qualquer tempo de programação
não destinado a jornalismo, espetáculos,
programas de auditório etc., ou seja, tempo
de programação destinado a filmes, séries,
novelas, documentários, animação etc. (que
podem ser de “boa” ou “má” qualidade...). O
adjetivo “qualificado” tem aqui uma definição
objetiva, referida a um tipo de programa e de
programação, não aos meus ou aos seus gostos
e preferências. “Canal de espaço qualificado” é
o canal em cuja programação predominam
filmes (de boa ou má qualidade, a meu ou a
seu juízo), séries (de boa ou má qualidade a
meu ou a seu juízo), animações (de boa ou má
qualidade a meu ou a seu juízo), documentários
(de boa ou má qualidade, a meu ou a seu
juízo) etc.

Como é hoje
“As operadoras oferecem pacotes definidos a
partir de pesquisas com clientes e consumidores”

Como REALMENTE é hoje
Enganação. As operadoras oferecem os pacotes
que bem entendem, quase todos estadunidenses,
suspendem canais ao seu bel prazer,
obrigam você a pagar por 100 canais, quando
você só vai mesmo assistir corriqueiramente a
não mais que 10 ou 15. Você muito dificilmente
verá algum canal europeu ou latinoamericano
na sua TV por assinatura. Por que
tem TCM mas não tem EuroChannel? Por que
tem Fox News mas não tem Al Jazeera? As
“pesquisas” aí apenas buscam saber quais canais
vão gerar mais faturamento, não quais
canais podem lhe oferecer mais “qualidade”. E
acabam, também, praticando uma espécie de
censura prévia ao lhe negarem acesso a centenas
de canais que existem ou poderiam existir,
caso realmente você pudesse ter verdadeiro
poder para definir o “pacote” do seu real interesse.

Como ficará
“Um terço dos canais brasileiros qualificados
terá de ser programado por programadora brasileira
independente”

Como REALMENTE ficará
Ótimo! Um terço dos “canais de espaço qualificado”
em qualquer pacote (de 30 canais ou
de 300 canais...) deverá ser reservado para
programadoras brasileiras e somente 1/3 desse
1/3 será destinado a programadoras independentes,
isto é, que não sejam associadas a
grandes corporações multimídia, quer dizer,
que não sejam controlados, entre outras, pela
Sky. Considerando que em qualquer pacote,
nem todos os canais se incluem na definição
de “qualificado”, 1/3 de 1/3 é muito pouco... A
lei pretende diversificar a oferta, favorecer
maior concorrência entre canais, dar a você a
real oportunidade de zapear alguma coisa diferente
no seu pacote. Afinal, o que há de realmente
diferente entre Fox, TNT, Sony, Warner,
FX, Universal, MGM etc.? Sobretudo, a
lei pretende ampliar o mercado de trabalho
para diretores, roteiristas, artistas, jornalistas,
animadores, demais profissionais brasileiros
de cinema e televisão, bem como permitir que
investidores brasileiros possam investir e lucrar
nesse crescente mercado hoje dominado
por corporações estrangeiras, as maiores delas
estadunidenses.

Como é hoje
“Hoje, os canais exibem os seus melhores programas
nesta faixa de horário [horário nobre].
Além disso, os canais já investem em conteúdo
nacional com qualidade, por liberalidade, sem
qualquer imposição”

Como REALMENTE é hoje
Arrogância. O investimento em conteúdo
nacional se deve à “liberalidade” do canal estrangeiro,
diz a Sky. É como quem diz, “não
vale a pena, mas somos bonzinhos”... Na verdade,
eles investem porque, entre outros bons
motivos, como o talento do artista brasileiro e
o próprio gosto do telespectador brasileiro,
têm incentivos fiscais para investir. Além
disso, começaram a investir quando viram as
primeiras fumaças da PL-29. Por enquanto, a
programação nacional nesses canais não atinge
sequer 3:30 horas semanais.

Como ficará
“Os canais terão de exibir no horário nobre
3:30 horas (três horas e trinta minutos) de programas
nacionais, semanalmente, a serem produzidos
por produtores independentes brasileiros”

Como REALMENTE ficará
Desinformação. Canais que não exibem “espaço
qualificado” ficarão isentos dessa obrigação
(CNN, por exemplo). A definição de horário
nobre, em futura regulamentação, não poderá
ultrapassar 7 horas diárias, logo 49 horas
semanais. Portanto três horas e meia por semana
são muito pouco. Apesar desse pouco
tempo, ainda assim a PL-29 está abrindo mercado
de investimento e trabalho para nós, brasileiros,
ajudando a criar condições para que se
expanda a indústria audiovisual brasileira e
permitindo que a nossa cultura, nossa história,
nossa ficção apareçam também na TV paga.
Aliás, é assim no Canadá, na França, na Alemanha,
na Austrália, na maioria dos países do
chamado “primeiro mundo”. A PL-29, nesta
parte, inspira-se na lei européia denominada
“Televisão sem fronteiras”. Na Europa, o tempo
destinado à programação européia é muito
superior a 3:30 horas semanais...

Como é hoje
“A decisão da grade de programação é de responsabilidade
dos canais e a decisão de lançamento
de manutenção dos pacotes é das operadoras,
com base na opinião dos clientes”

Como REALMENTE é hoje
Mentira. Nunca me perguntaram se quero
determinado canal ou se quero deixar de ter
determinado canal. Recentemente, tive que
pagar mais caro para manter os canais “étnicos”
no meu pacote, embora dispensasse de
muito bom grado, muitos outros canais, sobretudo
os “infantís”. Mais importante: “como é
hoje” afronta o Capítulo da Constituição brasileira
sobre Comunicação Social.

Como ficará
“A lei definirá o que é canal qualificado e produtor
brasileiro independente, sob fiscalização
da ANCINE”

Como REALMENTE ficará
Conforme a Constituição. A PL-29 reconhece
que a Comunicação Social, nos termos da
Constituição, tem obrigações relativamente à
educação e cultura brasileiras, à família, ao
desenvolvimento nacional. Televisão é televisão,
não importa se pelo ar, por cabo ou por
satélite. A TV por assinatura passará a obedecer
a regras que hoje são exclusivas da TV
aberta. Hoje, a TV paga por satélite não obedece
a lei nenhuma o que já é, por si só, uma
aberração. Está num espaço legal mais vazio
do que o próprio espaço onde se encontram os
satélites. Onde está o problema de a lei definir
o que seja “espaço qualificado” e “produtor
independente”? Quando a lei define, as regras
tornam-se claras. Quando não há lei, vale
tudo, como no far west. Aliás, disso a Sky entende...

Como é hoje
“As operadoras oferecem diversas opções de
pacotes aos assinantes – dos preços mais acessíveis
aos pacotes mais completos”

Como REALMENTE é hoje
Empulhação. Os canais que, eventualmente,
poderíamos considerar de melhor “qualidade”
estão excluídos dos “preços mais acessíveis”.
Para os pobres, lixo do lixo. As operadoras não
oferecem opção para o assinante escolher, ao
menos parcialmente, os canais que realmente
quer. Falta introduzir essa exigência na PL-29:
o assinante deveria poder incluir ou excluir
canais a seu gosto, nem que seja no limite de
um dado percentual do número total de canais
do pacote.

Como ficará
“Por serem obrigatórios e para cumprir as “cotas”,
a distribuição destes novos canais aumentará
o preço de todos os pacotes futuros e
atuais”

Como REALMENTE ficará
Terrorismo. A PL-29 permitirá a entrada de
novas operadoras concorrentes num mercado
hoje dominado pela estadunidense Sky e pela
mexicana NET. Dentre as novas, entrará a brasileira
Oi. Concorrência costuma a baixar preço,
ou assim reza o credo liberal. Na TV a cabo,
já existem dezenas de canais obrigatórios
(Senado, Justiça, Comunitário, as TVs abertas
etc), sem que os preços necessariamente aumentem.
É uma velha tática, dizer que os preços
vão subir. Os fatos históricos desmentem.

* Professor do Programa de Pós-graduação da Escola de Comunicação da UFRJ.