O Brasil de múltiplas qualidades e múltiplos problemas, um país enunciado, pelo senso comum e pela mídia, por suas belezas e alvejado por suas desigualdades. Um espaço onde a principal característica são os contrastes, seja dentro de visões positivas ou negativas. Na pura prática, é complicado ter juízo de valor ao observar uma estrutura complexa como a que compõe o Estado brasileiro, numa realidade de 510 anos de ocupação europeia e uma gigantesca herança cultural, que ultrapassa o imaginável pela sociedade.
Frente a este cenário, fechando o foco em elementos pontuais, como se isso fosse a solução de todas as problemáticas vigentes, destaca-se a questão do modelo de gestão do país, dicotomizando, muitas vezes, o tema dentro de dois termos: democracia e ditadura. Tudo se resumiria a escolha correta de um ou outro. No frigir das discussões, cai-se em inúmeros clichês argumentativos, sendo ressaltado, entre tantas, a ideia de colocar ordem na casa. Em meio a uma estrutura gigantesca, vislumbra-se um novo Dom Sebastião, lendário rei lusitano que viria salvar o povo, a guiar o país do futuro à ascensão. Mas ainda persiste a dúvida: por vias democráticas ou ditatoriais?
Aos críticos da vulnerabilidade democrática vem a clara imagem do regime moderador como maturidade de uma estrutura hierárquica bem definida, como projetos de país e uma forte repressão à violência. Há o constante retorno à ideia do revide da sociedade a punir os vândalos da ordem, a extirpar o mal pela raiz, possibilitando que o cidadão possa consumir livremente em uma realidade capitalista abençoada por Deus e justificada por ser parte da natureza humana. E em meio a tanto sofismo, vem a ironia do pensamento finalista: é através da ditadura que há a possibilidade do alcance, futuro, a uma plena democracia, depois de uma limpeza das camadas podres de uma população historicamente formada de europeus degredados, africanos explorados e indígenas desorientados. Argumentos tão sólidos quanto as vigas de um castelo de cartas.
O que se abstrai dessa discussão, no fim das contas, são indícios sobre a problemática estrutural desse grande conjunto de identidades e pluralidades chamado Brasil. Com foco no agente que empunha a batuta para guiar os rumos do país e na estrutura que este fará uso para isso, omite-se a necessidade de olhar o seio da própria população e buscar, antes de um modelo de governo, um projeto de nação, considerando os iguais como iguais e os diferentes como diferentes. Em outras palavras, pensa-se mais no cocheiro e nas amarras do veículo do que na estrada, na estrutura da carruagem e no que lhe traciona. Trata-se de uma tentativa de pluralizar os olhares sobre um arcabouço humano, que povoa a maior parte da América Latina, e que simplesmente é vista como massa. Igualmente, não se está buscando um salvador da pátria, (seja ele em forma de ditador, seja em estrutura democrática), mas sim procurando fracionar as responsabilidades.
E, ao pensar em dividir tarefas, decorrentemente, chega-se ao papel da própria sociedade a preparar seu espaço de ação. Em palavras diretas: evidencia-se a importância do cidadão na organização da polis contemporânea, não só na sua faceta de eleitor, mas como instrumento atuante e de mudança efetiva. Neste princípio, a democracia não pode partir de uma ditadura do legislativo a confabular com o executivo nacional, compondo mensalões e escondendo dinheiro em roupas de baixo; necessita sim é de uma comunidade que pensa o coletivo e não abdica de seu direito (e dever) de fazer a diferença. Pensar a democracia como designação mais pictórica do que prática, mantendo inevitavelmente uma ditadura das minorias instrumentalmente eleitas, é aceitar passivamente a existência de uma Matrix do tupiniquim, onde se vive na ilusão da liberdade, que na realidade inevitavelmente é mediada, ou pelo homem, ou pelo capital, sem nada ser feito por parte dos dominados.
Chega-se, então, no difícil pensamento por alternativas ao modelo verticalmente implementado no decorrer da história. Mesmo sem um câmbio de regime, havendo uma maior ação da sociedade civil frente às decisões do Estado já corresponderá a alterações sensíveis nos rumos da política, com efeitos de pressão sobre o executivo e legislativo. Sabendo que mesmo em meio a mudanças há uma forte ação de preservação do status quo das lideranças, os agentes do Estado ficam constantemente rodeando não as novas alternativas, mas sim às já testadas e aprovadas pelas classes dominantes (a qual pertencem), na busca por apoiar-se em experiências que consolidem sua hegemonia. Em outro lado da trincheira, numa situação que chega a comicidade, a população homologa e apoia, em inúmeros casos, essa manutenção da posição de primazia intelectual dos gerentes das nações, acreditando que ainda ganharão brioches dessa monarquia, enquanto nem pães têm. Em tempos de menor apatia social, esperar-se-ia uma ação oposta.
Volta-se, assim, constantemente, na aposta a esse dualismo de soluções, já testadas e conhecidas dentro da lógica capitalista, mas que, no fundo, exclui as maiorias do real processo decisório. Querendo ou não, as lideranças poderosas de seu tempo, nominadas com os mais distintos títulos, acabaram, seja com slogans democráticos, seja com autoritários, a manter a ditadura já apontada anteriormente, que é a das minorias a preservar sua posição privilegiada, que na atualidade está subjugada também a do capital. Relação semelhante pode-se fazer sobre com a mídia nacional. No decorrer dos fatos, a sociedade se depara com um cenário pouco esperançoso, mas igualmente provocativo a novas ações, com o intuito de alterá-lo.
* Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da UNISINOS, com bolsa da CAPES, membro do Grupo de Pesquisa CEPOS (apoiado pela Ford Foundation) e licenciando em História pela UFRGS.
Fonte: Revista IHU Online