Por Angélica Dias Pinheiro*
O bairro Morro de Paula situado entre São Leopoldo, Sapucaia, Novo Hamburgo e Gravataí é alvo de constantes tensões devido a extração mineral da qual dependem todos os moradores do local. Há mais de 40 anos as primeiras famílias começaram a povoar o local que cresceu muito desde então. Atualmente são cerca de mil e quinhentas famílias no local, sendo que destas, cerca de 800 tem a extração como única forma de renda. Esse lugar há muito tempo vem sendo alvo de disputas políticas em nome do meio ambiente.
No último dia 29 houve uma nova interdição do local. Não é a primeira vez que isso acontece. O incrível é que coincidentemente sempre há algum tumulto envolvendo o local em período eleitoral. Existe um projeto de criação de Parque Ambiental no local, parque esse que não sai desde o início da ocupação. Esperou-se que a situação ficasse insustentável para atormentar um povo que nada fez além de tentar viver da melhor maneira possível diante das dificuldades financeiras. As pedras são a forma de renda encontrada para seu sustento. E agora querem lhes tirar isso.
Há anos os políticos sobem ao morro dizendo que as pedreiras vão fechar e que com muito esforço e muita luta vão conseguir manter aberta. As pessoas que vivem lá não têm muita instrução e acabam se iludindo com as falsas promessas. Por isso votam nesses políticos e os anos vão passando e o problema aumentando junto com a população, que existe há mais de três gerações de pessoas. Pessoas essas que dependem desse Morro para morar e se sustentar. Agora vem o ministério público e decide que eles devem parar de ganhar o sustento de suas famílias e pronto. Tudo acabado. Sem aviso prévio. Sem solução. Assunto encerrado.
É isso e pronto? Eu digo que não. Onde ficam os direitos humanos? Sim, os direitos humanos. O que você acharia de acordar e sair para trabalhar e no meio do trabalho ser abordado e tratado como bandido? Isso é ter os direitos humanos respeitados? Penso que não. Fala-se muito em meio ambiente. Tudo bem, é importante que cuidemos do meio ambiente em que vivemos, mas esses homens que trabalham extraindo a pedra também fazem parte do meio ambiente. A questão aqui é: como ficam esses seres humanos? Concordo que as pedreiras poderiam ser fechadas, mas há muito tempo atrás.
Hoje a situação é outra. É ambiental, certo. Mas é também humana, principalmente. Pessoas inocentes que nada fizeram além de buscar seu sustento e moradia com a capacidade financeira e intelectual que tinham estão sendo tratadas como criminosos. Como esperar que um analfabeto entenda que seu trabalho honesto (sim, honesto, eles não roubam nem matam para conseguir seu sustento) é errado, que é um crime ambiental? Há quem trabalhe lá há mais de 40 anos. Falam em distribuir cestas básicas para aos trabalhadores. Isso é humilhante, pois o que eles ganham trabalhando nas pedreiras vai muito além de sextas básicas. Ademais, essas pessoas foram pegas de surpresa e têm contas para pagar.
Então me ocorre a possibilidade de outro problema: o aumento da violência. O meu maior medo é que com tantos desempregados no Morro de Paula a violência aumente ainda mais, pois a maioria das pessoas que dependem das pedreiras não tem estudo algum, quando muito tem o ensino fundamental incompleto. Se com estudo já está difícil conseguir emprego, imagine sem estudo algum. Dizem que o efetivo da brigada é insuficiente para conter a criminalidade. Entretanto, para tirar as ferramentas daqueles que estavam trabalhando, vejam bem “trabalhando honestamente” havia um batalhão de soldados da brigada. Como esperar calmaria desse povo diante disso? Creio que as autoridades competentes deveriam se preocupar mais com o lado social que esse problema vem trazendo e pensar bem como resolver, porque podem criar um problema ainda maior para a cidade.
As pessoas que vivem no Morro de Paula estão felizes com suas moradias e seus trabalhos, mesmo sendo um local esquecido pelos órgãos públicos e lembrado somente em anos eleitorais. As pedreiras são o único meio de sustento que eles conhecem e tirar isso deles é tirar parte da vida desse povo. Não devemos nos esquecer que estamos tratando de seres humanos, com muitas necessidades e principalmente direitos. Essas pessoas estão sofrendo violências psicológicas, pois vivem atormentadas com essas ameaças de despejos e desempregos.
Tudo bem que a questão ambiental é importante. Não há dúvidas quanto a isso. Entretanto a questão humana também o é. Imagino que seja praticamente impossível retirar todas aquelas pessoas de lá, pois para isso seria necessário realocá-los, com moradia e emprego. Como arrumar emprego para todas aquelas pessoas sem qualificação? Como encontrar moradia para tantas pessoas que embora não estejam em condições ideais não estão em nenhuma área de risco (para eles, pelo menos)? Há tanta gente aqui mesmo em São Leopoldo, sem contar os outros municípios, em situações de risco, em beira de faixas, beira de arroios, sem saneamento, nem transporte. A prefeitura tem tanto com que se preocupar, problemas realmente graves. E é o que tem feito: se preocupado com a realocação dessas pessoas, como fez com a criação do Parque Imperatriz, com a remoção as pessoas na linha do trem, esse tipo de coisa. Com questões mais urgentes.
Infelizmente o caso do Morro de Paula também tem sua urgência. Já tinha desde o início, mas nada foi feito. O problema é sempre “empurrado com a barriga”. Algo precisa ser feito. Mas alguma coisa boa de verdade, pois a população do local já sofreu e continua sofrendo muito com isso.
* Graduanda de Comunicação Social - Jornalismo pela Unisinos e membro do grupo CEPOS
Fonte: IHU - Instituto Humanitas Unisinos