Por Valério Cruz Brittos e Eduardo Silveira de Menezes*
É cada vez mais comum a espetacularização do processo eleitoral por parte das grandes emissoras de TV no Brasil. Sob os holofotes da mídia, a arte de fazer política manifesta-se ideologicamente e perdura, de modo a adaptar-se historicamente ao contexto sócio-cultural de cada região. Aliados a esse movimento, os responsáveis por planejar e operacionalizar as ações de marketing político elaboram estratégias que diferenciem seu candidato dos demais, dando-lhes, muitas vezes, uma credibilidade de ordem meramente performática. O estrategista de marketing substitui as instâncias partidárias.
Diante disso, a imagem do político contemporâneo tende a sobressair menos pelas propostas e pelo programa de governo e mais por sua relação com elementos midiáticos e demandas detectadas por pesquisas de mercado. Sua capacidade de apresentar uma proposta alinhada com o ideal de sociedade de uma determinada fração social é preterida, gerando a pasteurização de candidatos e partidos políticos. O público, por sua vez, não é visto como mero espectador, mas sim, como um eleitor participante, ou seja, alguém acostumado ao fascínio das produções audiovisuais, porém incapaz de assimilar seus códigos de maneira crítica, convertendo em voto a baixa interação com o candidato midiatizado.
A tática do PSDB
Ao fazer um breve exercício de reflexão das práticas eleitorais, especialmente nas últimas três décadas, percebe-se a presença da arte cênica em maior ou menor escala. Esta atuação artística não se resume à interpretação do próprio candidato, mas, sobretudo, à possibilidade de poder contracenar com atores de renome ou personalidades em evidência nos principais canais de televisão. Na medida em que artistas conhecidos se filiam a determinados projetos políticos, em geral com a mesma motivação com que fecham contrato para anunciar outros produtos, conforma-se uma manobra eleitoral, nociva à democracia.
Um caso que acabou tornando-se emblemático nesse tipo de relação ocorreu nas eleições presidenciais de 2002. Na época, a atriz Regina Duarte declarou que sentia medo do que poderia acontecer caso o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva saísse vitorioso no pleito presidencial. A fala da atriz foi transmitida durante o horário eleitoral gratuito, em defesa da candidatura do ex-governador de São Paulo José Serra, derrotado naquela ocasião e, hoje, novamente candidato à Presidência da República, sempre pelo PSDB.
É importante dizer que, mesmo com a derrota tucana nas urnas, o medo de Regina Duarte não chegou a se confirmar. O governo do presidente Lula manteve a política econômica de seu predecessor, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), promovendo reformas de inspiração neoliberal e nomeando economistas filiados a esta corrente de pensamento para assumirem cargos estratégicos em sua gestão. De qualquer forma, a tática utilizada pelo PSDB, vinculando a imagem de Serra a uma atriz global, historicamente conhecida como namoradinha do Brasil, não foi totalmente fracassada.
Oposição artístico-política
O medo expressado pela atriz representava a desconfiança do mercado financeiro com o ex-líder sindical. Isso repercutiu dentro da própria candidatura Lula, pois o candidato petista apressou-se em deixar claro que priorizaria o crescimento econômico, mantendo a inflação baixa, os juros altos, a oscilação cambial brusca e o aumento da dívida pública. Foi sob estes termos que Luiz Inácio Lula da Silva assinou a Carta Aberta ao Povo Brasileiro, em 2002. O alerta deu certo e guinadas fora da cartilha econômica neoliberal foram descartadas.
O fato é que, enfaticamente no Brasil, a teledramaturgia, o cinema e a música são capazes de fabricar legítimos representantes dos anseios populares, os quais são aceitos pelo público com muito mais naturalidade do que os construtos políticos poderiam fazer. Essa dinâmica é responsável por um novo fenômeno, no qual músicos, apresentadores e artistas têm ascendido a cargos públicos eleitorais com enorme facilidade, rebaixando o discurso político e desqualificando o processo democrático.
Para piorar esse quadro, percebe-se que a militância social, quando transformada em produto midiático, costuma traduzir-se em oportunismo. No ano de 2007, por exemplo, surgiu no Brasil o Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros. Conhecido popularmente como Cansei,foi organizado porartistas e empresários, visando à desestabilização do governo federal. Usando como pretexto um acidente aéreo, que vitimou dezenas de pessoas, forjou-se uma espécie de oposição artístico-política, amparada na imagem de seus protagonistas. Novamente a namoradinha entrou em cena, para, lado a lado com a cantora Ivete Sangalo e a apresentadora de TV Hebe Camargo, transformar-se em ícone de tal malogro.
Atrair, e não assustar
Existe, portanto, uma clara intenção de caráter político-partidário em produzir efeitos de reconhecimento e pertença no público por parte dos agentes que estabelecem campanhas, direta ou indiretamente eleitorais, em que a presença das celebridades televisivas é o principal foco daquilo que constitui a disputa política, embora não necessariamente se apresente como tal. A empatia dos eleitores com seus ídolos permite a identificação – ideológica, mesmo que mascarada – com uma corrente de pensamento, tencionando e influenciando as decisões do eleitorado.
Não obstante, este ano, as estratégias de marquetização do PSDB apontam para uma mudança de paradigma. Ao exibir como mestre de cerimônias da pré-candidatura de José Serra a modelo e apresentadora televisiva Ana Hickman, o partido parece ter aprendido que assustar pode ser menos vantajoso do que atrair o eleitor. Sendo assim, tudo indica que o discurso receoso de Regina Duarte, característico nas campanhas anteriores, tornou-se obliterado. Do mesmo modo, apostar na simpatia do ex-governador de São Paulo seria, tampouco, prudente, já que neste quesito o presidente Lula é imbatível e sua popularidade canalizada para a campanha de Dilma Rousseff, ainda que ela e Serra compartilhem a dificuldade de se aproximarem das formas de ser e estar do brasileiro médio.
*Respectivamente: Professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciênvcias da Comunicação da Unisinos, coordenador do Grupo de Pesquisa CEPOS e doutor em Comunicação e Cultura pela FACOM-UFBA; e mestrando em Comunicação Social da Unisinos.
Fonte: Observatório da Imprensa