sexta-feira, 23 de abril de 2010

Reality shows: extravasando a violência. Entrevista especial com Alex Primo

Os reality shows são líderes de audiência no mundo todo, principalmente no Brasil. Nesta última edição, a interação durante as chamadas provas de resistência evidenciaram uma violência reprimida por parte dos telespectadores que aprovavam que os participantes passassem por situações ruins e constrangedoras. Sobre este tema, a IHU On-Line entrevistou, por telefone, o professor Alex Primo que falou desse tipo de intervenção do público durante demonstrações de fraqueza em cadeia nacional e ideias como a de multidão solitária.

“Existem pelo menos dois lados. Um de extravasar energia em programas de violência na televisão, já que precisamos reprimir a violência. Apesar de sermos animais, precisamos engolir esses instintos mais violentos. Por outro lado, é como se as pessoas quisessem punir os candidatos do Big Brother que podem ganhar um grande prêmio, simplesmente vivendo naquela casa”, disse ele.

Alex Primo é mestre em Jornalismo pela Ball State University (EUA) e doutor em Informática na Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde, atualmente, é professor. É autor de Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição (Porto Alegre: Sulina, 2007) e do blog Dossiê Alex Primo.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Tudo o que se passa num reality show de grande repercussão tem espaço na mídia. E, nesse sentido, as cenas de tortura psicológica, principalmente aquelas que podem sofrer intervenção do público, são muito comentadas. Porque se tem tanto prazer em assistir e participar desse tipo de interação?

Alex Primo – É muito confortável a pessoa estar sentada no sofá da sua casa, assistindo à televisão, depois de um dia difícil. Ali, ela quer descarregar suas energias. Talvez, por isso que as pessoas também gostem tanto de filmes de ação, de guerra e policiais. É uma maneira de extravasar confortavelmente. As pessoas que assistem aos candidatos em um reality show, que tem um prêmio muito alto, e que podem ganhar esse prêmio não fazendo “nada”, querem puni-los. Elas pensam que, se elas têm que trabalhar duro para conseguir um salário regular, como esses candidatos podem conseguir 1,5 milhão de reais, ficando simplesmente alguns meses em uma casa, como no Big Brother? Existem pelo menos dois lados. Um de extravasar energia em programas de violência na televisão, já que precisamos reprimir a violência. Apesar de sermos animais, precisamos engolir esses instintos mais violentos. Por outro lado, é como se as pessoas quisessem punir os candidatos do reality show que podem ganhar um grande prêmio, simplesmente vivendo naquela casa.

IHU On-Line – Esse gosto por assistir à fraqueza em cadeia nacional diz o que sobre a sociedade atual?


Alex Primo – Realmente, mostra esta violência reprimida que existe entre todos nós. O mundo é violento, e, enquanto isso, às vezes, sentimos vontade de matar alguém no trânsito, de agredir alguém que foi antipático, mas não podemos fazer isso por uma série de fundamentos sociais e religiosos. Esse lado animalesco é reprimido, e parece que a única maneira bem aceita é a pessoa conseguir dar vazão a isso, através dos programas e jogos violentos. Estas são formas pacíficas de extravasar a violência.

IHU On-Line – Os reality show funcionam como uma espécie de catarse, já que, teoricamente, não podemos realizar um ato como esse, mas vemos isso projetado na TV?

Alex Primo – Acho que sim. Esses reality shows objetivam mostrar algo que seria real e autêntico. As nossas vidas cotidianas e, potencialmente, sem graça, estão na tela da TV em horário nobre. O que as pessoas se enganam é que exista essa autenticidade ali. Aquilo é um programa de televisão, que tem anunciantes, que precisa levantar um alto rendimento de seus custos, para depois dizer que é mais barato que uma novela, por exemplo. Por causa disso, ele é agendado, tem um script, ainda que os próprios candidatos não o conheçam especificamente. A própria edição do programa favorece algum candidato e não outro. Essa realidade que as pessoas pensam, não está necessariamente ali, até porque os candidatos sabem que estão concorrendo a um prêmio e estão sendo avaliados pelo público. Realmente é uma catarse, uma prova disso que este foi o décimo ano do Big Brother Brasil, e o programa continua tendo sucesso. Ele movimentou a audiência, e a grande mídia que cobriu tudo. As pessoas também querem celebrar junto, é uma maneira delas se unirem, estarem assistindo e conversando sobre o mesmo tema. O Twitter e os smartphones, hoje, permitem que as pessoas assistam a esse programa e discutam enquanto o programa está acontecendo.

IHU On-Line – Esse tipo de situação é algo que o público realmente quer ver ou é induzido a desejar assistir?

Alex Primo – Se perguntarmos para as empresas de mídia, elas irão dizer que é o público que pede isso. Se o programa é ruim, os problemas deveriam ser justificados pelo público que quer assistir a isso, que define colocar o canal em uma determinada emissora e não trocar. Não concordaria com isso porque outros canais também têm reality shows, e talvez não tenham a mesma popularidade. A Rede Globo continua tendo a televisão massiva mais importante, ainda mais pela imposição. Se você quer ver TV à noite, não se passam mais filmes, não se tem mais programas cômicos. É só Big Brother que passa todas as noites. Não podemos também achar que é só esse lado, o outro também é verdadeiro. Como eu comentava antes, as pessoas querem ver seus semelhantes na televisão. Claro que é bom ver ficção, personagens irreais, que nos façam esquecer essa vida dura, mas também é bom ver pessoas que pareçam como nós.

IHU On-Line – De que forma o conceito de multidão solitária pode nos ajudar a compreender o comportamento do telespectador, que faz seus julgamentos e vota, e isso ganha um status de coletividade quando ele faz isso sozinho?

Alex Primo – Realmente, há uma sensação de que a pessoa está participando, de que seu voto é escutado, e que ela pode estar definindo o andamento daquele programa. Isso também pode ser, em certos aspectos, ilusório, à medida que muitas dessas edições que fazem um relato dos personagens no programa são tendenciosas. E não podem deixar de ser, tendo em vista o caráter comercial do programa, que visa ao lucro e quer ter audiência e entreter. Se há algum personagem que não está funcionando dentro da expectativa daquele horário, a edição sobre aquele personagem que é mostrado é tendenciosa, e é a própria emissora que decide isso. A pessoa acha que está definindo, mas os elementos que são dados para ela fazer esse julgamento já induzem ela a fazer aquele tipo de voto. De fato, há uma percepção mais clara, mesmo que seja ilusória de que eu estou participando junto de outras pessoas. Infelizmente, é isso que é entendido como interatividade, só que ali as pessoas já estão dadas. As opções são mínimas e não há possibilidade de uma reflexão.

Fonte: IHU - Instituto Humanitas Unisinos