quarta-feira, 3 de março de 2010

qualificação e regulamentação democrática

Por Valério Cruz Brittos e Angélica Dias Pinheiro*

A televisão analógica é a principal fonte de informação da maior parte da população brasileira. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cada 100 lares, mais de 90 têm televisores. É um número muitíssimo expressivo, o que confirma que esse é o meio de comunicação mais influente da sociedade brasileira, num quadro em que o índice de leitura é pouco representativo. Mas com a digitalização essa mídia está sofrendo mudanças que irão além da qualidade de imagem e áudio, apesar de serem esses os pontos centrais ressaltados. Este é o momento também para se avançar na qualificação do conteúdo transmitido, o que requer uma regulamentação mais comprometida com a maioria.

A TV digital, em implantação no Brasil desde dezembro de 2007, trará interatividade, entre outros recursos já disponíveis, como mobilidade e portabilidade. Alguns conteúdos poderão ser escolhidos pelo usuário, que poderá também interagir com equipamentos e agentes, respondendo a enquetes e fazendo compras, por exemplo, desta forma sendo incorporadas à televisão dadas facilidades da internet. Todas essas vantagens da tecnologia digital são ainda maiores na TV paga, tornando-a ainda melhor e mais atrativa. No entanto, é a televisão aberta que chega diretamente aos domicílios da maioria dos brasileiros, portanto a que requer mais atenção de reguladores, pais e sociedade em geral.

Incentivo à cultura e à informação

No que diz respeito à TV aberta, um olhar crítico sobre o conteúdo oferecido é imprescindível. Imperam neste tipo de televisão programas sensacionalistas, de facílima assimilação, novelas que reforçam estereótipos e reality shows apelativos, compondo uma programação que, em grande parte do tempo, tem muito pouco a proporcionar. Como a programação exibida no sistema comercial é construída como um trampolim para receber a atenção do público e transferi-la ao mercado publicitário, é imperioso que sejam estabelecidos compromissos a quem recebe uma concessão, já que a veiculação de conteúdos diferenciados não pode ficar limitada a eventualidades, a partir de critérios da própria emissora.

Enquanto aos telespectadores é legada uma programação muitas vezes degradante, as grandes empresas de mídia preferem ficar agredindo a imagem uma da outra, como se não lidassem com a cultura do povo e os elementos necessários para a própria compreensão da realidade social. Já questões de importância fundamental para a vida do planeta, como a Conferência do Clima, ou essenciais para a democratização da própria comunicação, recebem coberturas limitadas e enviesadas, com mais intensidade no segundo caso, por tratar do próprio negócio das emissoras. Em tempos de TV digital é normal que se pergunte o que mudará nesse sentido, embora até o momento nenhuma alteração neste quesito esteja prevista.

Na verdade, o espaço dos elementos apelativos e publicitários pode ser reforçado com a interatividade mais ampla, a ser viabilizada quando definido o canal de retorno da televisão digital, já que as emissoras comerciais devem usá-la para reforçar suas lógicas. Se não houver uma regulamentação que imponha cadernos de encargos aos operadores (e, paralelamente, o poder público não investir pesadamente em educação formal, qualificando cognitivamente a população), nada mudará. Isso é ainda mais preocupante à medida que o acirramento da disputa televisiva tende a incrementar o espaço dos conteúdos popularescos. Por isso é muito importante uma política de incentivo à cultura e à informação de qualidade na TV.

Processo de refuncionalização

A digitalização do televisual, cuja implantação avança de forma acelerada por parte das emissoras e com lentidão em termos de adesão do telespectador, é uma boa oportunidade para dar um salto na televisão brasileira, relativamente a seu compromisso público. Além de obrigar as emissoras a desenvolver conteúdos cidadãos, a legislação deve dispor de leis de incentivo àqueles operadores que aderirem a um novo patamar de programação, ofertando conteúdos simbólicos diferenciados, que respeitem a diversidade econômico-cultural do país e contribuam para a efetiva orientação de seus usuários, concebendo-a num sentido amplo – o qual reconhece a TV como o principal lugar de conhecimento e reconhecimento social.

Com o uso da interatividade, por exemplo, a TV pode disponibilizar nas casas dos brasileiros serviços interativos de educação, governo eletrônico (sufrágios, pagamento de taxas, extrato de Fundo de Garantia), informações gerais (boletim escolar dos filhos), uso de correio eletrônico (cada cidadão com uma conta de e-mail), entre outras funcionalidades. A tecnologia tem sempre que ser usada a favor das pessoas e essa é uma boa maneira e um bom momento para se conseguir isso. Trata-se de um processo de refuncionalização, onde os aparatos tecnológicos passam a ser discutidos, planejados e implementados visando à necessidade da maioria da população, independentemente de seu papel mercadológico.

*Respectivamente Professor titular no Programa de Pós-Graduaçaõ em Ciências da Comunicação da Unisinos e graduanda de Jornalismo pela Unisinos; membros do grupo CEPOS.

Fonte: Observatório da Imprensa