Por Valério Cruz Brittos e Paola Madeira Nazário*
A primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) representou um marco importante na luta pela democratização dos meios de comunicação no Brasil, oportunizando o debate público sobre o macro-setor, seus problemas estruturais e desafios conjunturais. Contudo, enquanto a Conferência foi midiatizada de forma incompatível com sua dimensão e mesmo de forma distorcida pela grande mídia, os grupos que defendem um modelo de comunicação com regulação mínima, para livre atuação dos capitais, dispõem de todos os recursos e instrumentos para publicizar suas concepções de mundo.
Mesmo diante desse "passo à frente" no cenário comunicacional sobre as questões macroestruturais da comunicação social brasileira, identifica-se uma reação por parte de setores que defendem o mercado comunicacional não regulamentado, pelo menos em termos de conteúdo. Um exemplo disso é a campanha "Não deixe o monstro da censura acordar", assinada pelo Centro de Referência sobre Liberdade de Expressão (CRLE) e veiculada pelas emissoras televisivas do país.
Coibir abusos e práticas nocivas
A campanha lançou um anúncio publicitário no qual, em texto de tônicas marcantes, defende a ausência de controle público, como assinala esta passagem:
"Ele era conhecido como o Último Suspiro, o laboratório mais seguro do mundo, a última fronteira para o mal. Ali, foram eliminadas as maiores aberrações existentes na face da terra, vírus, seres das profundezas oceânicas, bactérias.
Experiências secretas foram feitas ali e, em uma cela especial, ainda habita a criatura mais terrível, o mostro da censura, que agora repousa fora de combate.
A temperatura da sua cela é cuidadosamente controlada, o frio tem que ser constante, assim ele já mais despertará de novo. Nada pode distrair a tarefa da sentinela!
Não deixe o mostro da censura acordar!"
Este anúncio está sendo veiculado com animação gráfica soturna e narração digna de um filme de terror e ficção científica. Não obstante o material seja genérico e não aprofunde suas reais intenções, tem-se algumas pistas, partindo do pressuposto de que a instituição patrocinadora diferencia-se de um órgão competente para a averiguação de qualquer tipo de afronte constitucional à liberdade de expressão, estando mais próximo de um organismo com o objetivo de evitar a limitação da publicidade, classificando como censura a utilização de estratégias legítimas do Estado e da sociedade para coibir abusos e estímulos a práticas nocivas, tendo em vista, em especial, a proteção da criança e a saúde de todos.
Frio tem que ser constante
É nítido que a publicidade brasileira necessita de regras e diretrizes que garantam o cumprimento dos preceitos constitucionais. A chave da questão encontra-se no fato dos interesses privados se sobreporem aos públicos. O modo de financiamento baseado na publicidade configura efetivamente que o bolo publicitário é o responsável pela manutenção das empresas comerciais de rádio e televisão no país; daí a necessidade de, para recolocar o interesse público como prioritário, ser estabelecida uma regulamentação coadunada com os objetivos maiores da sociedade e de seus sujeitos (não unicamente consumidores).
Por essa percepção, nota-se que, em contrapartida a iniciativas como a primeira Confecom – ambiente destinado a pluralidade de vozes –, encontram-se tendências que tolhem propostas democratizantes. A afirmação dos interesses de mercado a partir de ferramentas massificantes, como a peça publicitária "O mostro da censura não pode acordar", é uma mostra da assimetria de forças na luta pelos consensos provisórios de cada época. Afirmações a exemplo de, "a temperatura da sua cela é cuidadosamente controlada, o frio tem que ser constante, assim ele jamais despertará de novo", parece tentar congelar toda tentativa legítima de discussão social em torno de um novo marco regulatório da comunicação social.
*Respectivamente Professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e Mestre em Comunicação.
Fonte: Observatório da Imprensa