Mordaça imposta em 31 de julho de 2009 pelo TJ-DF é uma das quatro mais longas da história do jornal; Grupo Estado prepara série de eventos e jornal e portal vão ter modernização gráfica e de conteúdo.
O jornal O Estado de S. Paulo, que completa hoje 135 anos de fundação e 130 anos de vida independente (descontados os cinco anos em que esteve sob a ocupação da ditadura de Getúlio Vargas), passou os últimos cinco meses de 2009 e os primeiros três dias de 2010 sob censura - uma das quatro mais longas de sua história. Ela foi imposta em 31 de julho pelo desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), que proibiu a publicação de reportagens sobre a Operação Boi Barrica, rebatizada como Operação Factor, com a divulgação de investigações feitas pela Polícia Federal sobre o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), no Estado do Maranhão.
A série de reportagens sobre o chamado caso Sarney, iniciada com a revelação em junho dos atos secretos do Senado, rendeu ao jornal em 2009 o Prêmio Esso de Reportagem, o principal do jornalismo brasileiro. Foi somente um dos muitos prêmios recebidos em 2009 pelo Grupo Estado, que para 2010 prepara uma série de novidades aos seus consumidores (leia nesta página).
Fundado em 1875 com o nome de A Província de São Paulo por um grupo de republicanos que pregava o fim da monarquia e defendia a abolição da escravatura, o jornal foi amordaçado pelo governo de Artur Bernardes na Revolução de 1924, pelo Estado Novo em 1937 e pelo regime militar de 1964. Com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), o Estado e o Jornal da Tarde, do mesmo grupo, enfrentaram a censura prévia de 13 de dezembro de 1968 a 3 de janeiro de 1975. Durante esse período, que está relatado no livro Mordaça no Estadão, do repórter José Maria Mayrink, lançado em dezembro de 2008, os jornais substituíram os textos proibidos por versos de Os Lusíadas, de Camões (Estado), e receitas de bolos e doces (Jornal da Tarde), para apontar a arbitrariedade aos leitores.
A oposição à censura custou caro à empresa e à família de seus proprietários. Julio de Mesquita Filho caiu doente logo depois da edição do AI-5 e nunca mais voltou à redação. O último editorial que escreveu foi Instituições em frangalhos, no qual denunciava a truculência do regime. Como ele se recusou a cortar o texto, a polícia apreendeu o jornal, antes mesmo da edição do AI-5. Após a morte do jornalista, em julho de 1969, seus filhos Julio de Mesquita Neto (Estado) e Ruy Mesquita (Jornal da Tarde) mantiveram a resistência à censura. "Façam as reportagens, os censores que cortem", orientavam aos editores e repórteres. Conforme dados levantados pela pesquisadora Maria Aparecida de Aquino, da Universidade de São Paulo (USP), foram cortados 1.136 textos, entre março de 1973 e janeiro de 1975.
"O Estado não aceita passivamente a censura a que vem sendo submetido", afirmou Julio de Mesquita Neto em outubro de 1973, na assembleia-geral da Sociedade Interamericana de Imprensa. Um ano antes, em agosto de 1972, seu irmão Ruy Mesquita havia protestado contra a censura, em carta ao ministro da Justiça, Alfredo Buzaid. "Todos os que estão hoje no poder dele baixarão um dia e, então, senhor ministro, como aconteceu na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini, ou na Rússia de Stalin, o Brasil ficará sabendo a verdadeira história deste período", advertiu. Os jornalistas Julio de Mesquita Neto e Ruy Mesquita foram processados e tiveram de defender, várias vezes, funcionários suspeitos de subversão que foram ameaçados, presos e torturados pela repressão.
Essa resistência não era novidade na história do jornal. Julio de Mesquita, o pioneiro, que dirigiu o Estado de 1891 a 1927, foi preso e enviado para o Rio em 1924, por causa de sua posição de neutralidade. Censurado pelos revoltosos comandados pelo general Isidoro Dias Lopes que bombardearam a capital de São Paulo, o jornal foi suspenso depois pelas forças federais do presidente Artur Bernardes. Durante a 1ª Grande Guerra (1914-1918), Julio de Mesquita sofreu represália de indústrias alemãs que cortaram os anúncios de publicidade, por causa de sua posição a favor dos aliados.
EXÍLIO
Julio de Mesquita Filho e seu irmão Francisco Mesquita, responsável pela administração, que assumiram a empresa em substituição ao pai, quando ele morreu em 1927, levaram adiante sua luta. Apoiaram Getúlio Vargas na Revolução de 1930, mas logo passaram à oposição em 1932, quando viram que o presidente não cumpria a promessa de democratizar o País. Combateram na Revolução Constitucionalista de 1932 e, com a derrota dos paulistas no campo de batalha, foram presos e mandados para o exílio em Portugal. De volta no ano seguinte, engajaram-se na política, quando Armando de Salles Oliveira, seu cunhado, foi nomeado governador.
Durante o Estado Novo, instaurado com o golpe que consolidou a ditadura de Vargas em novembro de 1937, Mesquita Filho foi preso e mais uma vez exilado. Enviado para Paris, onde se encontrava em 1939, às vésperas da Segunda Guerra, foi da França para Buenos Aires, onde escreveu nos jornais La Prensa e La Nación. Julio de Mesquita Filho estava na Argentina, em março de 1940, quando a Força Pública do interventor Ademar de Barros invadiu e ocupou a redação do Estado, por ordem de Getúlio Vargas. O jornal foi devolvido à família em dezembro de 1945, após a queda da ditadura.
A comemoração dos 135 anos do Estado coincide com o aniversário de fundação da Rádio Eldorado (1958), do Jornal da Tarde (1966) e da Agência Estado (1970). Pertencem ao mesmo grupo as empresas Oesp Mídia (1984), Oesp Gráfica (1988), Broadcast AE (1991) e o Portal Estadão - www.estadao.com.br (2000).
As censuras
Em 1924, censura dos rebeldes e do governo
Após 5 anos, jornal é devolvido em 1945
Poemas de Camões, no regime militar de 1964
Há 157 dias sob censura, por ordem judicial
O empresário Fernando Sarney, filho do senador José Sarney, apresentou em 18 de dezembro, pedido de desistência da ação contra o Estado, mas a censura ao jornal continua. A partir de 7 de janeiro, término do recesso forense, o jornal será intimado a decidir se concorda com a extinção ou prefere que a Justiça aprecie o mérito.
Fonte: O Estado de S. Paulo