quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Padrões de produção na telenovela latino-americana

Valério Cruz Brittos e Andres Kalikoske*

O mercado televisivo sempre buscou agregar sinergias ao desenvolvimento de produtos para compor suas grades de programação, intensificando alianças com realizadores estrangeiros a partir dos anos 1990. Não obstante, na corrente "Fase da Multiplicidade da Oferta" da TV mundial, essa ação mostra-se ampliada, visando minimizar custos e riscos, além de frear a perda de espaço para a internet, um fenômeno crescente que vem abalando até mesmo redes norte-americanas, como as tradicionais ABC, CBS e NBC.

No âmbito latino-americano, o incremento das opções de entretenimento na TV surge numa ambiência onde duas grandes emissoras, Globo e Televisa, detêm supremacia descomunal em audiência e faturamento, numa enorme disparidade de participação no mercado em comparação às demais concorrentes.

Concentração semelhante só pode ser identificada na Itália, onde o primeiro ministro Silvio Berlusconi controla um império midiático mantido com dureza, ignorando qualquer possibilidade de ingresso a novos grupos. Acusado pela imprensa de promover festas regadas a cocaína e jovens desnudas, recentemente voltou a estampar a primeira página dos jornais por ser agredido em praça pública, num ato vandálico que não deixa de demonstrar a ira de grande parte dos cidadãos italianos.

Construção da realidade

As indústrias culturais trabalham com padrões tecno-estéticos que remetem a referentes culturais globais, processo mais nítido na produção audiovisual. As realidades construídas industrialmente pela mídia subsumem costumes, particularidades, falas, manifestações e folclores em geral às lógicas do capital, numa dinâmica de midiatização. Trata-se de uma tendência mundial, que na América Latina é fortemente constituída pela telenovela, a partir da designação de uma conjuntura de normas dominantes, à qual o bem simbólico deve adequar-se para ser aceito pela audiência massiva. Já no decorrer da década de 1990, os padrões tecno-estéticos escorados na cultural global se transformaram em característica freqüente na teleficção hegemônica.

O resultado, que se insere na lógica tecno-estética de seu realizador, visa diminuir, na realização, as diferenciações locais, com baixo grau de particularidade, passível de eliminação ou transformação em futuros mercados exibidores. Desta forma, expande-se a possibilidade de exportação do produto, num processo quase que inerente à necessidade de ingresso em mercados externos. Este foi o quadro estimulante para o estabelecimento de padrões de produção contemporâneos, fazendo com que as empresas consolidem estilos preestabelecidos e articuladamente definidos, vindo a ser facilmente identificadas por investidores internacionais.

Neste sentido, no Brasil e no México a disputa pela audiência envolve a constante aquisição de conteúdos diferenciados, porém de fácil assimilação, com forte investimento em formatos internacionais de shows de realidade. Enquanto a Globo prima pelo ineditismo em sua teledramaturgia, por intermédio da constante produção de roteiros originais, a Televisa constrói seu alicerce a partir da aquisição de scripts disponíveis no mercado internacional, especialmente com procedência argentina ou colombiana. Os resultados são diferentes: o primeiro mais próximo do cotidiano dos cidadãos urbanos, o segundo remetendo a ideais presentes nos imaginários.

O mercado mexicano, de modo geral, perde espaço para produtores em ascensão, especialmente da Colômbia, ainda tendo que lidar com recentes perdas em investimentos errôneos. Já o setor televisivo brasileiro, em 2008 foi responsável por 60,5% do total de investimentos em mídia no país, com faturamento de R$ 13,1 bilhões, apresentando números ascendentes de faturamento e presença no mercado frente aos demais meios, apesar da disputa intermídia que demarca a atual "Fase da Multiplicidade da Oferta", a qual tende a deslocar parte da atenção do consumidor para outras opções culturais.

*Respectivamente Professor titular do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e membro do Grupo CEPOS e Mestrando em Ciências da Comunicação pela Unisinos e também membro do grupo CEPOS.

Fonte: Observatório da Imprensa