terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A agonia do desamparo

Por Valério Brittos e Diego Costa*


A TVE-RS, pertencente à Fundação Cultural Piratini, vem prestando importantes serviços à comunidade gaúcha desde sua fundação, em 1974, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. No entanto, tem potencial para fazer muito mais, radicalizando sua missão de serviço público, para tal necessitando desatrelar-se dos governos de plantão, uma característica de sua atuação. De toda forma, possui uma programação voltada para os meios culturais e notícias da região, cumprindo um papel social ativo no setor televisivo.

Nos últimos anos, vem aumentando seu grau de dificuldades de operação, na mesma proporção em que tem sido intensificada a desatenção do governo estadual para com os objetivos de televisão pública, em especial a respeito do Conselho Deliberativo e dotação orçamentária adequada para produzir e distribuir conteúdos que atendam à diversidade social. No ideário neoliberal, um canal público de TV é descartável, na medida em que (quase) tudo, inclusive a midiatização, deve ser entregue ao privado.

Não se identifica um compromisso do governo do estado do Rio Grande do Sul em relação à TVE. Os embates entre as diretorias da emissora, nomeadas pelo Executivo, e o Conselho Deliberativo, têm sido freqüentes nos últimos anos, assim como as denúncias de interferências em sua linha editorial. Agora, a TV Educativa do Rio Grande do Sul vai mudar de prédio, já que estava instalada em um imóvel pertence ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e um acordo não foi viabilizado, por aparente falta de empenho para tal.

A difícil e necessária independência

Inclusive um possível convênio com a TV Brasil não foi definido, ao que tudo indica, por questões menores, já que essa é detida pelo governo federal, comandado pelo PT, e a TVE é controlada pelo governo estadual, do PSDB. A emissora gaúcha preferiu seguir retransmitindo a programação da TV Cultura, de São Paulo, mediante um pagamento mensal, enquanto a TV Brasil cederia seus conteúdos gratuitamente. Mais do que isso, o problema é que as questões partidárias ou de governos seguem sobrepondo-se às públicas.

Na verdade, a prioridade de atender aos governos não é exclusividade da TVE do Rio Grande do Sul. Não necessariamente no mesmo grau, interferências político-partidárias identificam-se até em algumas estações públicas européias, ainda que no Velho Continente encontrem-se exemplos históricos de compromisso social, como a BBC, acima de tudo. Em qualquer dos casos, trata-se de uma espoliação da sociedade, que perde um dispositivo efetivamente público, num embate que, principalmente no Brasil, contabiliza muitas derrotas.

Carece a TVE-RS de um modelo de financiamento adequado que garanta a quantidade de recursos suficiente para cumprir seu compromisso público e, em simultâneo, assegure sua autonomia em relação aos governantes do período. Necessitando sempre do governo estadual para administrar suas decisões financeiras, apresenta-se hoje como uma emissora que, apesar do esforço de seu quadro de funcionários de carreira, tem dificuldade de manter-se com a independência necessária para midiatizar a realidade aos gaúchos.

Transparência e seriedade

Cedo ou tarde terão que ser discutidas as relações de poder entre Estado e setor privado, cuja dinâmica, considerando-se elementos como parceria publicitária e acessos prioritários a fontes, tem garantido o espaço da televisão comercial, mas não o avanço da comunicação pública, seja detida pelo Estado ou não. Isto se chama ausência de compromisso para com a coisa pública, numa área tão estruturante quanto a comunicação, cuja força econômico-político-social é sabida, como reconhecem mercado publicitário e setor político.

A sociedade precisa acompanhar de perto este momento crucial envolvendo a TVE do Rio Grande do Sul, monitorando a anunciada mudança para um prédio que emblematicamente chama-se Centro Administrativo. Como se espera que as "administrações estaduais" se mantenham distantes dos ambientes públicos de comunicação e o Estado cumpra sua obrigação de fornecer referentes comunicacionais aos cidadãos, é hora dos eleitores ficarem vigilantes, cobrando transparência e seriedade nisso tudo.

* Respectivamente Professore titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, membro do Grupo CEPOS e graduando de Jornalismo pela Unisinos e também membro do Grupo CEPOS.

Fonte: Observatório da Imprensa