terça-feira, 29 de dezembro de 2009

“Viver a Vida”: a sobrevida da novela das nove


Por Andres Kalikoske e Ederson Pinheiro da Silva*

Devido ao alto grau de sofisticação técnica e literária das produções da TV Globo, a telenovela brasileira se tornou referência mundial ao longo de sua trajetória, entregando para a emissora o posto de principal realizadora do gênero folhetinesco.

Com sede no Rio de Janeiro, a Central Globo de Produção (CGP) produz até seis novelas por ano, com investimentos superiores a 150 mil dólares por capítulo de produto, que não raramente atingem a marca dos 200 episódios. No entanto, a mesma organização que difundiu este bem simbólico televisivo hoje amarga títulos fracassados em seu horário mais nobre, o das 9 da noite, também responsável pelo funcionamento da engrenagem da emissora.

Problemas administrativos

Na telenovela brasileira tradicional, a multiplicidade de núcleos gerou espaço para os mais diversos discursos e ideologias, que, não obstante, se traduziram em retrocesso, ou seja, uma carência criativa bem diferente de seu passado, quando viveu o auge da originalidade autoral. Desta forma, também se pode constatar que a falta de noveleiros com know-how no mercado é hoje o principal obstáculo para o deslanche do gênero fora da Globo.

Mesmo ameaçada pelos investimentos da Record (e também pela contrapartida do SBT), a emissora dos Marinho apostou no projeto de Viver a Vida, produto televisivo marasmático, com núcleos sem apelo popular. Seu roteirista titular, Manoel Carlos (que, curiosamente, já assinou uma minissérie com o mesmo nome, exibida em 1984 pela extinta TV Manchete), apesar de uma interessante trajetória, nunca teve a renovação folhetinesca entre suas características, recorrendo freqüentemente aos mesmos personagens que o projetaram no passado.

São várias as dificuldades enfrentadas por Viver a Vida. Para uma produção do prime time, a audiência desejável pela Globo seria de, em média, 45 pontos. Algo muito distante da média de 30 pontos que a novela tem registrado. Os principais ingredientes das tramas de Manoel Carlos (como o recorrente bairro carioca do Leblon) já não são suficientes para prender a audiência.

Problemas administrativos, como o atraso na entrega dos roteiros, também têm sido registrados. Como conseqüência do tempo insuficiente para o estudo do texto, o elenco grava cenas sem o preparo ideal, dificultando a construção dos personagens e resultando, muitas vezes, num contexto inverossímil, onde atores não apresentam a sincronia necessária para o bom desenvolvimento da história. Logicamente, exceções podem ser apontadas: a bem construída personagem de Lília Cabral e a estréia na Globo da atriz Bárbara Paz (enfim perdoada por vencer um reality show do SBT e ter interpretado diversas “Marias” em novelas mexicano-brasileiras) são alguns acertos.

Carência de conflitos

Com narrativa lenta, que conta com boas doses de imagens do Rio de Janeiro, a novela parece estar sendo alongada capítulo após capítulo, sem ganchos e tramas que realmente prendam o telespectador e o façam querer saber o que acontecerá no dia seguinte. No desenrolar da história, a estratégia para resgatar a audiência foi transformar a protagonista Helena (Taís Araújo) em uma heroína sofredora. Bem conhecido do público, o caricato personagem de José Mayer não deixa muita opção ao ator. Já os papéis de Mateus Solano, ainda que versátil na interpretação de gêmeos, seguem rumo previsível, dividindo nos próximos capítulos o amor da mesma mulher.

Imersa no desgaste da narrativa de Manoel Carlos, o dia-a-dia dos personagens de Viver a Vida é monótono, carecendo de um elo entre os demais núcleos da trama e a protagonista. Devido ao baixo grau de conflito e ausência de cenas de ação - tratando de temas como violência urbana, corrupção e outro leque de problemas sociais - o público se afastou. Ainda que a perda de audiência seja um real problema nesta “fase da multiplicidade da oferta” da TV brasileira (e especialmente para a Globo, por deter a maior audiência), nos próximos capítulos a Helena de Viver a Vida terá que derramar boas doses de lágrimas e se desdobrar em mãe de todos para resgatar a atenção do público.

* Respectivamente, mestrando em Ciências da Comunicação na Unisinos e graduando em Jornalismo na mesma instituição.

Fonte: Observatório da Imprensa.