A internet é uma ferramenta potencialmente democratizadora e libertária. Inserida no contexto da convergência tecnológica e da digitalização, representa um espaço único de informação e múltiplos conteúdos. A total liberdade, no entanto, permite práticas anti-sociais e pode torná-la prejudicial se atender exclusivamente a interesses privados. Essas características implicam em uma regulamentação para a rede que assegure direitos sem restringir a liberdade de expressão.
Para o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) a internet é vital para a democratização e não deve ser considerada como uma simples mídia. Por isso deve ser pensada dentro do contexto da digitalização e da convergência tecnológica. O caráter libertário da rede dá margem para que sejam disponibilizadas desde informações sobre bibliotecas públicas de todo o mundo até conteúdos pornográficos, preconceituosos ou degradantes. Assim como toda atividade humana, a internet pressupõe regulação e regulamentação, em benefício do bem comum. Isso significa atribuir a ela uma dimensão pública.
Diante da ausência desse marco regulatório, o Governo Federal, através do Ministério da Justiça (MJ), está elaborando um estatuto para a rede. No dia 29 de outubro será aberta uma consulta pública para colher as contribuições da sociedade brasileira. Segundo o Ministério, a falta de previsibilidade jurídica desincentiva investimentos na prestação de serviços por meio eletrônico, restringindo a inovação e o empreendedorismo. Por outro lado, “dificulta o exercício de direitos fundamentais relacionados ao uso da rede, cujos limites permanecem difusos e cuja tutela parece carecer de instrumentos adequados para sua efetivação”.
Na opinião do coordenador da Associação Software Livre (ASL) e presidente do Fórum Internacional de Software Livre (FISL), Marcelo Branco, como um espaço novo de convivência, a internet carece de regulamentação que assegure os direitos civis na rede. “A internet mudou a forma de relacionar da humanidade e nesse sentido ela é tão importante quanto foi a revolução industrial entre os séculos XVIII e XIX. Portanto, qualquer legislação deve ser muito bem pensada, pois diz respeito a democracia da sociedade”, afirma.
Juliano Carvalho, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital: Informação e Conhecimento da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp), vice-presidente do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ) e membro do Conselho Deliberativo do FNDC, acredita que a regulação deve pensar a internet no contexto da convergência, e não somente como a rede mundial de computadores. “Devem estar presentes questões como quais seriam as responsabilidades de quem produz informação, de quem as divulga, quais são as regras do jogo para operar negócios pela internet, de que maneira a privacidade deve estar assegurada”, assinala.
O debate em torno de uma regulamentação para a internet intensificou-se com Projeto de Lei 89/99. Relatado pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB/MG), o “PL Azeredo”, como ficou conhecido o projeto, recebeu críticas por potencialmente criminalizar usuários. Em análise do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, os pesquisadores apontaram que o texto “apresenta problemas com relação a sua abrangência e imprecisão, que geram efeitos colaterais graves” (confira o estudo completo aqui). O polêmico projeto tramita há mais de uma década no Congresso. Aprovado na Câmara o PL foi encaminhado ao Senado em 2003 (como PLC 89/2003). Incorporado a outros projetos, somente em 2008 foi aprovado e retornou à Câmara como PL 89/99.
Embora proponha soluções antidemocráticas (conforme seus críticos), para alguns problemas da rede, o PL Azeredo foi importante por expor a urgente necessidade de uma regulamentação. Isso porque, como afirma Ronaldo Lemos, coordenador do CTS da FGV Direito-Rio, em “Direito, Tecnologia e Cultura”, livro de sua autoria (disponível aqui), a ausência de uma regulamentação própria para a rede transfere “a decisão do equilíbrio de interesses para o Poder Judiciário, mas sem dotá-lo de regras claras para tanto, o que aumenta ainda mais a incerteza”.
A Conferência e o marco civil da internet
Para o coordenador-geral do FNDC, Celso Schröder, a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) será o momento propício para a sociedade pensar a internet, suas potencialidades e alcances, dentro de uma regulamentação que lhe confira um caráter público e impeça usos impróprios. “Nós vamos para a Conferência com esse pressuposto. Tudo que nós fazemos em termos de comunicação precisa ser regulamentado e regulado. Temos que ter com a internet a mesma intenção de construir políticas públicas”, reforça.
Segundo Branco, a discussão sobre um marco civil para a internet precisa estar dentro da Confecom, já que será “muito importante para a democracia no país, para a democratização dos meios de comunicação”. Juliano Carvalho salienta que a Conferência trará subsídios importantes para um estatuto da rede e por isso considera inoportuna a consulta pública, programada pelo Ministério da Justiça, antes da etapa final da Confecom. “O governo poderia aguardar a contribuições que virão do debate nacional sobre a comunicação em dezembro”, pondera.
A polêmica sobre a regulamentação e regulação da internet é natural, de acordo com Schröder. “Regulamentação excessiva, pode ser censura e autoritarismo. Regulação em falta pode ser libertinagem. Definir o que é público ou privado nesse debate é uma dimensão difícil de alcançar”. O jornalista defende um marco que universalize o acesso, garanta a liberdade com o conteúdo controlado publicamente no limite da cidadania. “A internet é uma plataforma tecnológica, ela pode ser um local de crime, portanto, a sociedade tem o direito de ter de alguma maneira a possibilidade de ter controle sobre ela. O papel do Estado é imprimir a regulamentação, de forma democrática”, defende.
“A liberdade de expressão não pode ser restringida para a proteção de interesses privados. O Estado deve garantir a criação de direitos para os usuários baseados nos direitos republicanos que a sociedade conquistou nos últimos anos”, finaliza Branco.
Na opinião de Carvalho outro ponto antecede a questão do marco regulatório que é a infra-estrutura da rede. “Devemos compreender tecnologicamente o que significou esse mundo de serviços advindo da internet por isso, não consigo imaginar um marco regulatório para a internet sem discuti-la. Se não tratarmos isso agora, nós vamos ficar reféns de quem na infra-estrutura da internet?”, questiona.
Fonte: FNDC - Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação