Os meios de comunicação começam a revisar a sua estratégia e começam a cobrar dos usuários. O Google está disposto a facilitar pequenos pagamentos pelos artigos.
A reportagem é de Miriam Lagoa e está publicada no jornal El País, 11-09-2009. A tradução é do Cepat.
Até o gigante Google, o grande beneficiado pelo modelo da gratuidade para o usuário reinante até hoje, já intui que os conteúdos culturais ou informativos não vão continuar sendo oferecidos de maneira gratuita na internet para sempre. O Google, em conflito com os editores de imprensa por explorar suas notícias, se rende à tendência e prepara ferramentas para facilitar pequenos pagamentos aos meios de comunicação. As indústrias da informação se lançaram na exploração de fórmulas para rentabilizar a sua presença na internet para além da publicidade, até agora a principal e quase única fonte de ingressos. E o cinema ou a música, alentados pelo sucesso de empresas como iTunes, ensaiam novas fórmulas para cobrar por seus produtos enquanto cresce a pressão política contra a troca livre de arquivos na internet.
Pequenos pagamentos por notícias, assinaturas de diferentes níveis, rádios personalizadas ou o pagamento para assistir filmes de alta definição abrem passagem em uma internet que, desde o seu nascimento, foi sinônimo de gratuidade.
Milhões de internautas se acostumaram a acessar artigos, discos ou filmes sem custos. Mas o que muitos usuários consideram um direito, para as indústrias de conteúdos se converteu em um problema econômico e de propriedade intelectual. As empresas que, como os jornais, acreditaram que se abrindo à internet conseguiriam um retorno adequado em forma de publicidade estão dando marcha à ré. Os banners não compensam assim como os velhos anúncios de papel e muitos editores decidiram voltar à cobrança.
Depois dos protestos da indústria cinematográfica e musical, o setor midiático começa a se rebelar contra a gratuidade, em meio à pior crise publicitária de sua história. Rupert Murdoch, proprietário da News Corporation, o maior grupo de mídia, encabeça a manifestação. Em agosto, anunciou que passará a cobrar pelo acesso à versão digital de seus jornais – entre eles, The Wall Street Journal, The Times e The Sun – a partir de 2010. “A revolução digital abriu muitos canais de distribuição novos e baratos, mas isso não converte o conteúdo que transmitem gratuitamente”, assegurou. O magnata australiano argumenta que a qualidade não é barata e “uma indústria que presenteia o seu produto está canibalizando a sua capacidade de fazer um bom jornalismo”. Murdoch já teve reuniões com seus principais colegas, entre eles The New York Times, para criar um grande consórcio que imporia o pagamento pela leitura de seus conteúdos digitais.
Outras vozes do setor vão na mesma linha e como sustenta o editor do Financial Times, Lionell Barber, “nos próximos 12 meses a maior parte das organizações de notícias estará cobrando por seus conteúdos”. L. Gordon Crovitz, fundador do Journalism Online, assegurava em uma entrevista ao El País que os acessos gratuitos à informação na internet estão com os dias contados – “o modelo de negócio atual de acesso livre ao conteúdo na internet claramente não funciona” – e apostava em um misto: “No futuro será uma combinação de modelos pagos e gratuitos. Os consumidores pagarão diretamente e também haverá modelos em que os distribuidores de diferentes naturezas, como os livros digitais, pagarão royalties”.
Os últimos movimentos apontam neste sentido. Seguindo o exemplo de Murdoch, The Economist, a revista financeira mais prestigiada do mundo, acaba de anunciar que fechará a sua web e deixará de oferecer notícias gratuitas, como vinha fazendo desde setembro de 2006. Em seis meses, organizarão um novo modelo que pode estar baseado em pequenos pagamentos.
O jornal francês Libération, que desde a sua ideologia de esquerda se caracterizou pela defesa do “tudo gratuito”, também cedeu pelo mau momento financeiro que atravessa. Desde ontem [dia 10 de setembro], passou a restringir uma parte de sua edição eletrônica aos assinantes, mediante dois tipos de pagamentos. O básico – Essentiel, a seis euros mensais – que permite acessar o conteúdo do jornal de papel em formato PDF, os arquivos dos últimos 15 anos e outros serviços; o Première, a 12 euros, dá acesso à edição à medida que vão se fechando as páginas no jornal.
O caso do Libération não é isolado na França. O Le Monde tem uma edição digital especial para assinantes – também a seis euros mensais –, assim como o Le Parisien (oito euros) e o jornal econômico Les Échos (15 euros), ao passo que o Le Figaro e a revista L’Express também preparam edições eletrônicas de pagamento.
Na outra frente está o Google. A empresa do buscador é o primeiro e, em muitos casos, o único beneficiário dessa revolução do gratuito total. Seus custos por agregar conteúdos são quase nulos, e alimenta seu negócio publicitário (Adsense e Adwords). O anúncio, em maio passado, de que o Google acrescentará publicidade ao seu agregador de notícias, o Google News, levantou as iras tanto das associações de editores europeus e norte-americanos, que acusaram a multinacional de lucrar com o trabalho alheio e sem sua permissão.
O Google não tem interesse no confronto direto com a imprensa mundial. Por isso, iniciou nos últimos meses um movimento de aproximação. A empresa poderia estar preparando um sistema de pagamento on-line que permitirá aos jornais cobrarem dos seus leitores pelo acesso aos seus artigos, segundo assinalou o centro de reflexão sobre os meios de comunicação da Universidade de Harvard. O Google teria apresentado o projeto à Associação de Jornais dos Estados Unidos (Newspaper Association of America), depois que a companhia fora requerida sobre a viabilidade do sistema. Na apresentação de seu projeto enviado à NAA, o Google vaticina que “a publicidade seguirá sendo provavelmente a fonte de ingressos mais importante das empresas de meios de informação”, mas que “fazer os usuários pagarem poderá proporcionar um suplemento de ingressos nada desprezível”.
Outro setor que já sofreu uma profunda transformação foi a indústria musical. Depois de apresentar numerosas demandas contra portais e programas que facilitavam as descargas gratuitas, começou a consolidar estratégias adaptadas para conciliar as possibilidades que a internet oferece e com a rentabilidade econômica, depois de anos em que a descarga gratuita de música fez os fundamentos do setor discográfico cambalear. Páginas de venda de música pela internet como Amazon e iTunes, que inclusive superaram em vendas a cadeia de lojas Wall Mart, experimentaram um crescimento notável e deram lugar a novas modalidades de venda, distribuição e consumo de conteúdos musicais que impulsionam as discográficas a reformularem as suas estratégias comerciais. Depois da queda das vendas de CDs nas lojas, a tendência dominante é a contribuição de serviços adicionais e a fragmentação de conteúdos: as vendas de músicas soltas se impõem às vendas de álbuns completos. A compra em lojas virtuais se impõe à venda física de CDs.
Ao longo de 2008, foram comercializados 1.4 bilhão de objetos pela rede, 24% mais que em 2007. Em 2009, o crescimento foi espetacular. Há dois anos a venda de música na internet representava apenas 20% de todo o mercado. Um estudo da prestigiosa consultora NPD indica que as vendas de músicas pelos portais como iTunes ou AmazonMP3 ultrapassarão as dos compactos em 2010.
Mas o mercado não deixa de evoluir e as descargas deram lugar ao streaming, a reprodução de conteúdos na web sem necessidade de descarga. O sucesso de serviços de reprodução on-line como Last FM, Yes.fm ou a sueca Spotify revolucionaram o mercado e fizeram com que o streaming se consolidasse como a opção preferida dos consumidores. A Spotify é uma rádio adaptada à internet, que nasceu do acordo entre seus criadores e as grandes indústrias discográficas. Oferece uma modalidade gratuita, com breves cunhas publicitárias, que inclui uma ampla biblioteca musical e permite ao usuário confeccionar listas com seus temas preferidos. Conta também com uma opção de pagamento sem publicidade e uma coleção mais extensa de músicas. “Os jovens pensam no YouTube e no MySpace como os lugares onde ouvir música, e os novos dispositivos são capazes de oferecer acesso a lugares como Pandora ou Last.fm, que funcionam como rádios personalizadas”, assegurava Eliot Van Burskik, do Wired.
Outra das últimas iniciativas surgidas no setor nos últimos meses foi aquela apresentada Virgin Media, que planeja um serviço de descargas que “pelo preço de alguns discos por mês” permite ao usuário acessar todo o catálogo disponível, sem nenhum tipo de limite. Os temas oferecidos pela empresa do magnata Richard Branson, que selou um acordo com o maior provedor de música no mundo, a Universal, não estarão protegidos com DRM (Digital Rights Management), sistema anticópia.
O sucesso destas iniciativas, inclusive entre uma audiência que estava se acostumando a não pagar para ter as últimas novidades antes que chegassem ao mercado, parece que marcará a pauta do futuro da indústria, e não apenas a discográfica. Daniel Ek, fundador da Spotify, garante que esse futuro está “no acesso não na propriedade”. “No futuro, será igual para os consumidores ter ou descarregar músicas. O que querem é ter acesso a elas”.
As empresas discográficas estão há anos ensaiando os sistemas de pagamento mas há outros setores que se mostraram menos ativos. A indústria audiovisual observa como as redes P2P, como Torrent ou Emule, o streaming e as descargas diretas, proporcionadas por páginas como Rapidshare ou Megaupload, são cada vez mais utilizadas. As descargas por esta via se multiplicaram pelo segundo ano consecutivo, segundo um relatório publicado pelo Big Champagne.
O setor cinematográfico não quer ficar atrás e nas últimas semanas tornou-se pública a aliança entre Paramount, Lions Gate e Metro Goldwyn Mayer para lançar o mercado Epix, um serviço de filmes de alta definição em streaming que oferecia as últimas estreias de cinema por assinatura em um passo a mais da integração do cinema na rede. O sistema será comercializado ao mesmo tempo que o pay-per-view e antes que a edição em DVD. Na Espanha, começam a surgir os primeiros projetos de pagamento similares, como o Filmotech.
O YouTube, o portal gratuito que revolucionou a forma de ver vídeos na rede, também ensaia fórmulas de pagamento e negocia com alguns dos grandes estúdios de Hollywood a distribuição de filmes sob a fórmula de aluguel similar à que já emprega o iTunes, a um preço de 3,99 dólares, segundo The Wall Street Journal.
O fenômeno não é alheio às tentativas de frear as descargas gratuitas. O Reino Unido aventou a possibilidade de cortar a conexão aos usuários que descarregam conteúdos protegidos com copyright e a França, depois de intensos debates no Parlamento, aprovou uma lei para impor multas de entre 1.500 e 3.500 euros aos usuários. Na Espanha, onde a descarga de arquivos através de programas P2P não é considerada crime, qualquer medida deve surgir do acordo entre operadores, indústria cultural e Governo, até agora sem resultados. Em vez de esperar, os provedores de conteúdos já estão mudando o passo.
Fonte: IHU