terça-feira, 4 de novembro de 2008

O fundo de realidade na falta de POLÍTICA para a “economia” brasileira

por Bruno Lima Rocha*

Há um problema de fundo, que vai além da aposta na jogatina financeira com o valor da moeda brasileira em relação ao dólar. Não há crescimento sustentável que se agüente sem estar ancorado na poupança interna. Qualquer macro economista, pós-keynesiano ou economista político decente vai afirmar isso. É impossível imaginar a soberania da decisão política se esta capacidade decisória “flutua” sobre recursos que os mecanismos sociais de regulação econômica não controlam. Isso é impossível no capitalismo, que dirá em outra forma de gerir a sociedade. Portanto, quando os agentes econômicos “se expõem” ao endividamento com outro indexador que não seja a própria moeda do país, ficamos todos à deriva das infelicidades destes gestores.

Não estamos falando dos tubarões do mercado financeiro, mas sim de quatro em cada cinco empresas não-financeiras e que tem ações negociadas na Ibovespa! 4 em 5, mais de 80% do capitalismo real privado no Brasil! Portanto, são empresas de capital aberto, empregando gente e são vitais em uma cadeia de valores de sustentação de cidades inteiras. De cada duas S/A operando no Brasil e jogando seus papéis no Índice da Bolsa de São Paulo (Ibovespa), uma pode estar endividada na moeda controlada por Bernanke e Paulson! Este dado, publicado no Jornal do Comércio do RS, de 3ª 28/10/2009 (pág.7), nos evoca o debate de fundo e que nenhum “especialista” de opinião econômica quer entrar.

Semana passada comentei o fato político com enfoque econômico no curso “Mídia, Controle e Democracia”, promovido pelo Grupo de Pesquisa Cepos/Unisinos e onde participo. Apenas citei de memória este dado. Entendo que um tema assim é um escândalo nacional. Se o público que assiste a novela do eucalipto tivesse a capacidade cognitiva e a motivação ideológica para a rebeldia, apenas esse dado valeria um Caracazo! 4/5 da economia brasileira de capital aberto está pendurada em papel podre, usou o dinheiro captado para apostar na jogatina e agora vê seu valor arriscando cair. A fraude nos balanços da Enron abriu a porteira para o inferno dos números que não comprovam o valor real.

O Estado não é nem responsivo às demandas sociais e menos ainda é regulador do capitalismo exercido no Brasil. Nem as autoridades diretas e nem as delegadas pelos próprios entes faz nada perante o deita e rola dos agentes financeiros. Onde estava a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que não monitorou essa loucura? Para que existe o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e não controla atividade alguma? Ah, não por acaso este órgão pertence ao mesmo Ministério da Fazenda! Sim, o mesmo Ministério cujo responsável, o economista Guido Mantega, disse desconhecer o “tamanho real do problema” com papéis tóxicos? Para que Estado se não regula? Depois reclamam da farra dos aventureiros das finanças e da jogatina com a moeda nacional e o patrimônio alheio!

E agora o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), mais uma vez não defende nada e aconselha menos ainda. Este órgão do Ministério da Justiça é tão (in) executor de políticas e braço operador de Justiça quanto mantém o padrão de não regular nada e apenas definir leite já derramado. O mesmo que sucedeu com a AmBev (compra da Antarctica pela Brahma) termina por ocorrer na compra do Unibanco pelo Itaú. A família Moreira Salles se livra de um problema, descola o Banco do embaixador com a vinculação à falimentar seguradora AIG, planta rumores de que iria ser comprado pelo Santander, flerta com o Bradesco e se deixa incorporar pelo Itaú.

O presidente da República foi informado do negócio. Ex-dirigente sindical, soube de uma fusão que encolhe o mercado interno, otimiza duas empresas em uma e certamente vai gerar demissão da categoria dos bancários. O ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo nada fez e nem deixou fazer. Aplaudiram de longe e plantaram a notificação futura do CADE a respeito do negócio já consumado. O mesmo se deu com os acionistas das duas corporações. Nada falaram e nem foram consultados. As tarifas bancárias e a taxa Selic são os fatores dos superávits recordes da Banca brasileira. A agiotagem de terno e gravata precisa do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Com certeza o governo do Copom, com o presidente Fernando Henrique Meirelles soube antes e aplaudiu a medida. Os demais são comunicados depois.

No capitalismo do Brasil não precisa de CADE, COAF, Ministérios da Fazenda e da Justiça e nem Presidência da República. A margem de manobra da Banca é tão grande como um ponto de jogo do bicho na esquina de avenida movimentada. Já tem arrego para a patrulha da área e ninguém corre de cana. No Planalto Central e na São Paulo de Piratininga, ninguém corre do Estado, porque o Estado existe para servir a acumulação de capital da banca de agiotas com terno sob medida e gravata de seda importada.

Que democracia é essa?!

*Bruno Lima Rocha é jornalista e cientista político, editor do portal Estratégia e Análise. E-mail: blimarocha@gmail.com.

Fonte: Estratégia e Análise