sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O violento rombo causado pelos corsários do cassino financeiro

Por Bruno Lima Rocha*

A chamada crise dos mercados financeiros representa um rombo violento e muito maior do que se imagina. Ao longo dos últimos 40 dias as autoridades financeiras de países com desenvolvimento capitalista passam a se coordenar de forma menos esporádica. A desordem de um mundo unipolar, com a pretensão da administração NeoCon de Bush Jr. à frente, tende a se reordenar com a meta de coordenação multipolar. É o canto do cisne da barbárie tecno-financeira; chamam a cooperação em planos financeiros para não perder as mãos, apenas penhorando alguns dedos.

Quando se lê: “queda nas taxas de juros”, é para diminuir o custo do crédito e permitir uma maior agilidade transacional. Esta ação coordenada de redução da taxa de juros, seguindo o exemplo do Japão que está em quase 0%, foi um intento de frear, interromper o saque e a retirada de dinheiro, investimentos, resgate de fundos e o que houver de riqueza quantificável nesse mundo de dinheiro digital. É preciso lembrar que a aventura com a finança do alheio é gerar crédito na praça com um volume de recursos que está muito acima do patrimônio líquido das instituições bancárias. Essa agiotagem internacional leva ao pânico de quem tem seu dinheiro nestas contas que não estão cobertas. Levam o terror a todo um sistema produtivo que não opera em cima da poupança interna nem do crédito controlado pelos governos e sim na jogatina do cassino.

Para não aumentar a quebradeira na economia produtiva, que está umbilicalmente vinculada à economia especulativa, alguns Estados tomaram uma medida forte. Na semana que termina os Bancos Centrais dos EUA (Federal Reserve), da Inglaterra (Banco da Inglaterra), Banco do Canadá, Comunidade Européia (BCE), Sveriges Riksbank (Suécia), SNB (Banco Nacional da Suíça), o Banco dos Emirados Árabes e o Banco Central da China reduziram suas taxas de juros, como já disse, seguindo o padrão japonês. A média de redução foi de 0,5 a 1,5% de acordo com cada Banco Central.

Os BCs também estão fazendo ofertas de dinheiro em grande volume, como no dia 29 de setembro, quando dez BCs de forma coordenada foram injetados mais de US$ 620 bilhões; como no dia 7 de outubro, quando outros seis BCs anunciaram a injeção de US$ 450 bilhões até o final do ano. O risco é de “falta de dinheiro”. Ou seja, o risco é que o número de resgates e saques seja maior do que a capacidade real dos depósitos. Fica uma dúvida conceitual: - “Que grau de racionalidade pode existir quando os empréstimos e créditos circulantes em todo o mundo não são resgatáveis em curto prazo?!” Não é que a economia não tenha lastro, o que existe de fato é um abuso na jogatina, apostando na previsibilidade do comportamento dos agentes econômicos produtivos e escorando as relações das riquezas nas sociedades concretas em cima de um vazio. Quando a bolha estoura, entra a concertação de classe operada a partir da idéia de “solução sistêmica” e “razão de Estado” para salvar a Banca e manter o crédito circulante, mas sem interromper a especulação correspondente.


Vejam que interessante. Ao mesmo tempo em que reduzem a taxa de juros – na prática diminuindo a margem de lucros dos bancos – os mesmos governos alimentam com dinheiro público para garantir a transação entre estas instituições. O BCE injeta uma média de US$ 50 bilhões diários como a garantia de liquidez! A Banca está sendo garantida pelos Estados, que de sua parte, não estatizam de vez, para não seguir o modelo adotado de forma rápida pela Irlanda. Ainda assim, o buraco não é preenchido, e por quê?

O sintoma da falta de base moral para as transações financeiras se vê na desinformação estrutural. Vejamos o tamanho do problema, refletindo na verdade a enormidade dos ativos tóxicos, os empréstimos podres circulantes, as agiotagens feitas ao longo dos últimos 8 anos e que tomaram conta do modus operandi do sistema financeiro do mundo. Parto do princípio que quando tenho dúvidas, pergunto para a direita, porque esta corrente de pensamento político-econômico-filosófico se expõe nos fatos de uma forma escancarada.

O diretor-gerente do FMI Dominique Strauss-Kahn afirmou em 9 de outubro com todas as letras: “Estamos à beira de uma recessão. A situação é muito grave, mas ao mesmo tempo podemos resolver os problemas se agirmos de forma rápida, vigorosa e coordenada.” Segue o diretor do famigerado Fundo, tão valente com os países subdesenvolvidos e tão dócil com o G-7 e países afins: “Acho que é justo dizer que todos nós subestimamos a força da crise financeira. Ao que parece, as raízes dessa crise são mais profundas do que o esperado.”

Analisemos. Serem mais profundas as raízes da crise significa que a informação privilegiada do tamanho e volume dos ativos tóxicos e dos créditos podres, dos empréstimos concedidos a gente e empresas sem capacidade de pagamento, é muito maior do que a anunciada pelos meios corporativos e as fontes de informações como Fox News, CNN International e cia. Como pode alguém crer que o FMI não tinha noção do volume do calote à vista? Como poder algum ser humano em sã consciência aceitar a idéia de que os executivos do Fed e da Secretaria do Tesouro – incluindo Herny M. Paulson, o ex-corsário doGoldman Sachs– não “imaginavam” o volume do rombo?! Simplesmente não pode ser pensada uma idéia absurda. Isso é desinformação, e jogar na confusão e nas trevas conceituais um fato consumado que nenhuma destas autoridades financeiras, estatais e jornalísticas quer aceitar.

O fato é contumaz. Tem mais crédito concedido do que a capacidade dos bancos em cobrir seus próprios depósitos. Tem um volume além do imaginado por nós mortais leitores, em créditos podres, gerando papéis em títulos de valor não resgatável pelas instituições que os geraram. A chantagem financeiro e midiática condiciona que os cidadão acatem a resolução dos Bancos Centrais cobrirem com dinheiro dos contribuintes o rombo gerado pelos altos executivos que ganham bônus por cada picaretagem fruto de vendas absurdas. O resultado dessa armação de 8 anos seguidos já está sendo pago por todos nós.

A organização das relações de produção, troca, geração de serviços e consumo de uma sociedade não pode ser intermediada pelo dinheiro financeiro e o crédito gerador de super endividamento. A defesa da economia real e organizada de forma soberana pelo tecido social-produtivo sob controle das maiorias é a garantia de nosso próprio futuro. Pelear sem trégua pelo controle dos recursos-chave e das cadeias produtivas dos países é um dever dos movimentos populares. O cassino financeiro tem de acabar.

*Bruno Lima Rocha é jornalista e cientista político, editor do portal Estratégia e Análise. E-mail: blimarocha@gmail.com.